a rua é da gente

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sábado, 5 de outubro de 2013

Astros do movimento anticorrupção e suas licenças poéticas: non passera


 Foto: churrasco na OPB, Ordem dos Parlamentares do Brasil, do início de 2012. Da esquerda pra direita: Marcos Maher ( camiseta azul e criança no colo). Na fila atrás, Dennys Serrano ( camiseta azul e atrás do homem forte de boné), ao lado, Marcello Reis ( camiseta azul e de boné) e a "ruiva" Carla Zambelli .


     Já que o vento também não soprou a favor nas velas da direita, o Partido Militar Brasileiro (PMB) vai ter de adiar o sonho de criar sua legenda e ingressar na cena da política institucional brasileira para desgosto dos doubles de lideranças do movimento anticorrupção e liga repaginada das senhoras católicas.  Que, diga-se de passagem, perderam a chance de talvez contar com essa mãozona e tanto para varrer a corrupção no Legislativo e Executivo e blindar a sociedade do perigo vermelho.
   Fãs de carteirinha da PM, que, vira e mexe, publicam posts em apoio à repressão policial em manifestações,  e com mentes arejadas por lufadas vindas da Idade Média, eles enchem a boca para exigir justiça, falar em  liberdade, democracia e citar o nome  Dele em vão, mas exibem uma trajetória repleta de licenças poéticas.
   Esses combatentes incansáveis dos larapios dos cofres públicos e da impunidade, que, a propósito, se recusam marchar ao lado dos LGBTs por atentarem contra a família e ordem social, chegaram a ganhar o reforço do suplente de deputado federal ficha suja, Dennys Serrano, (PSB) entre 2011 e 2012, e desfrutar da companhia e churrasco oferecido pelo político na sede da entidade presidida por ele ( de camiseta azul atrás do homem forte de barba e boné), Ordem dos Parlamentares do Brasil. Pouco antes, claro, dela ser fechada pelo Ministério Público por práticas criminosas, em abril do ano passado -  a entidade distribuía carteirinhas com brasão da República, solicitando a autoridades civis e militares a concessão de "trânsito livre" a seus portadores e estariam, segundo o MP, sendo usadas por criminosos.
   Não bastasse, a OPB contava, na ocasião, com uma dessas lideranças na vice-presidência: ninguém menos que Marcello Reis, (  de boné e ao lado de Serrano), criador do Revoltados Online e também integrante da UCC, União de Combate à Corrupção, OCC, Organização de Combate à Corrupção - que reúnem diversos grupos anticorrupção e/ou outros - entre n grupos.
     As ligações inusitadas entre Serrano e essa turma são, mais ou menos, conhecidas por parte dos ativistas do movimento e renderam uma saia-justa ou outra. Mas,  graças, a habilidade deles em lançar mão de seus embargos infringentes para contornar assuntos inconvenientes e abafar escândalos, eles tanto não afugentaram membros como engrossaram fileiras de seus grupos nas redes sociais.
    Mais ainda. Convenceram meio mundo que não tinham qualquer envolvimento e/ou feito aliança formal com o político ficha suja, apesar de posts que provavam o contrário, e, detalhe, propagados por  alguns deles mesmos. Os grupos Revoltados Online e UCC dispararam posts em que anunciavam essa parceria, além de vídeo em que o suplente declarou sua  parceria com o Revoltados no combate à corrupção.
    Mesmo assim, quando à OPB caiu e a notícia se espalhou feito rastilho de pólvora, Marcos Maher,  da OCC, que prega intervenção militar, e também membro ou ex de destaque do Revoltados e UCC, decidiu tampar o sol com a peneira, dizendo que essa parceria entre eles, Revoltados, UCC e Serrano/ OPB,  estava, na verdade, em processo de análise. E, o surpreendente, é que muita gente acreditou.
   Esse, digamos assim, flerte também passou despercebido por veículos da imprensa, que  apesar de terem noticiado o escândalo da OPB, aparentemente, ignoram que esses ativistas anticorrupção tiveram relações mais ou menos próximas com Serrano e entidade. Tanto é que, pelo que eu saiba, o assunto não foi abordado em nenhuma das diversas matérias sobre esse pessoal e/ou suas iniciativas que foram publicadas em jornais de grande circulação, além de blogs e sites.
     Não se imagine que os integrantes dessa turma se simpatizem, em maior ou menor grau, apenas com militares. Alguns deles, em especial,  também nutrem sentimentos semelhantes pelo PSDB. Até ai, não há um a, e muito pelo contrário,  para se falar sobre isso até porque cada um tem o direito legítimo de ter suas afinidades político-partidárias. O problema é que, em especial alguns, vendem a imagem de tocar grupos apartidários, mas, na real, puxam sardinha para esse partido, e, às vezes, até de modo acintoso. ( obs: vou falar sobre o assunto em um próximo post)
  O intrigante, aliás, é o fato desse povo, que se destaca por promover manifestações que, em São Paulo, são um fiasco de público continuar ganhando espaços de relativo destaque  na mídia.
   No final de junho, o Estadão publicou mais uma matéria sobre atos promovidos por esse povo, tendo como entrevistados Reis e, pra variar, Carla Zambelli, criadora de o nasruas, que posa, e a se basear no que sai na mídia desde cerca de 2010, é a grande líder do movimento anticorrupção do país para espanto e indignação de muitos ativistas, considerados uns invejosos por Zambelli e seu  fã-clube por não atraírem os flashes e serem, praticamente, ignorados pela mídia em geral.
   Pode-se dizer, inclusive, que o blog de Augusto Nunes, Estadão e O Globo deram uma maõzinha, sem nenhuma intenção, claro, para aproximar  Zambelli, e, no rastro,  Reis e demais de Dennys Serrano. É que essas publicações de prestígio, ao contribuir para tirar Zambelli do ostracismo e promovê-la a grande líder do movimento, pavimentou o terreno para que ela fosse procurada por um cientista que queria denunciar, inclusive, lhe entregando algumas provas, as proezas do político ficha-suja e irregularidades da OPB.  No caso, uma pilha de processos movidos por vítimas lesadas financeiramente por ele,  uma certidão da rejeição de contas do suplente emitida pelo TRE, entre outras.
   Zambelli, de posse do material, não se fez de rogada e no dia seguinte publicou um post no nasruas que, além de conter essas provas, anunciava:  Dennys Serrano, o deputado federal corrupto. A chamada, claro, apesar de equivocada por Serrano ser, na verdade, suplente -  provocou o maior alvoroço e pronto: Zambelli, Reis e outros decidiram fazer uma manifestação em frente à OPB.
  Este ato, no entanto, não apenas não ocorreu, como, também, pouco depois, pasmem, os integrantes do movimento anticorrupção se depararam com a seguinte novidade: a declaração de Serrano, em vídeo, de que havia se unido ao Nasruas na luta contra à corrupção. ( obs: tenho o print da discussão no meu email sobre essa discussão e vou publicá-lo assim que alguém me ensinar a fazer tal operação).
   O vídeo, claro, caiu como uma bomba  e motivou uma operação de guerra para blindar Zambelli, que envolveu, basicamente, três ações: a produção de um vídeo em que Serrano  esclareceu que havia se confundido, e, na verdade, a parceria era com o Revoltados Online e não com o Nasruas, um grupo que se diz apartidário e avesso a qualquer associação com políticos, seguida de outro vídeo em que Zambelli dava explicações sobre o mal-entendido e inocentava o suplente da acusação de corrupto feita por ela no post.
    E, por fim, uma campanha no face que, além de livrar o político dessa calúnia, matou dois coelhos com uma cajadada só: inocentou Zambelli da, digamos assim, leviandade de ter acusado Serrano de corrupto quando, na verdade, ele só tinha processos de dívidas pessoais. E desqualificou e desmoralizou o cientista, que , basicamente, havia usado o movimento para se vingar do calote levado do político. ( obs: alguns desses vídeos estão no youtube)
   O cientista, de fato, abriu o bolso e não foi pago, até algum tempo atrás, pelo menos,  pela grana emprestada ao político. Agora reduzir suas denúncias a uma mera desavença pessoal foi uma dessas distorções que se comete, propositalmente, para converter mocinho em bandido e vice-versa. O pior é que, claro, muita gente caiu em mais esse conto-do-vigário.
   Cabe esclarecer que o cientista conheceu Serrano logo após faturar o Prêmio Abril Sustentável, concedido pela  Editora Abril , ganhando uma homenagem pelo feito da OPB, e , em seguida, convidado pelo político a integrar o quadro de conselheiros da OPB. Ele, evidentemente, aceitou ao convite, e acabou tendo conhecimento de n informações sobre Serrano e OPB, que repassou à Zambelli.
    E, pelo que eu saiba, sem interferência do cientista, elas chegaram ao Ministério Publico, que levaram, como já disse, ao fechamento dessa entidade, criada em 1976 e composta, basicamente, por políticos de pouca expressão,  por práticas criminosas.

Obs: Não citei o nome do cientista neste post porque, apesar de, no passado, ter me autorizado, inclusive me enviado material sobre o assunto, não consegui falar com ele agora para pedi-la novamente, mas publiquei o post porque esses fatos foram, inclusive, divulgados por ele em n grupos de combate à corrupção do facebook.  Falei sobre esse pessoal em posts anteriores: Aos jovens idealistas, Solla, Nahor e Ale, e à princesa Alice, As penas dos pavões voaram na Pauliceia Desvairada e Avisa lá pro Obama: Brasília e Rio Preto são puro jazz, e Washington Carvalho é o cara.

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

O troféu de perfomance em manifestação vai .....para soldado da PM do Rio de Janeiro





        vídeo compartilhado por Alexandre Mendes,do grupo Universidade Nômade
                                                                         
       Quando se pensa que agentes da repressão já esgotaram o repertório de atrocidades  para, digamos assim, conter manifestações, eles se superam e brindam a plateia com mais um espetáculo de estarrecer os ânimos mais habituados com o uso abusivo de autoridade e  força policial.
     Tanto é que as cenas do vídeo acima, produzido pelo Coletivo Mariachi, mostram que a passeata organizada por Black Bocs em apoio aos professores em greve, no dia 1/10, à noite, no centro do Rio de Janeiro, virou palco para soldados da PM exibirem uma perfomance digna de ganhar uma indicação ao Molière de covardia e descontrole do ano.
      Bastou um gaiato, suposto policial infiltrado, os chamados P2, arremessar uma pedra, quebrando  a porta de uma agência bancária no início da passeata, que, vale ressaltar, foi pego no pulo e impedido de fazer mais lambança pelos blocks,  para PMs começarem a descer o cassete em qualquer um a troco de nada.
      O rol de vítimas da fúria fardada, como sempre, inclui  advogados, fotógrafos e jornalistas, como Cláudia Castello, integrante do Coletivo, que levou um golpe na barriga. Agora, quem ganhou a cena e merece faturar o troféu Molière é o soldado que, após ouvir de um manifestante que eles haviam batido em um advogado, aos 7 minutos do vídeo, soltou, em alto e bom som, a pérola: " F... o advogado! F....! ". O descaso, a propósito, se afina perfeitamente com a conduta de quem bate e de quem manda reprimir com rigor atos de protesto de professores, que cometeram a audácia de se rebelar contra o plano de cargos e salários, sancionado no dia seguinte, 2 de outubro, pelo prefeito Eduardo Paes.  
     Inversão do papel da polícia à parte, o fato do ato de vandalismo do infiltrado deflagrar a ação violenta da PM nessa manifestação serviu pra mostrar aos blocks que eles correm o risco de ser traídos pela tática. Adeptos da ação de depredar  bancos e outros símbolos capitalistas em resposta à repressão policial, entre outros motivos, eles poderiam, e ao contrário do que ocorreu, ter perdido o controle da situação, que, provavelmente, renderia uma quebradeira geral,  com o agravante da fatura entrar na conta deles.
     É que os blocks, evidentemente, popularizaram essa tática e, ao mesmo tempo, se tornaram uma espécie de reféns dessa ação levada aos protestos. Desde que entraram na cena, eles, que, a exemplo do annonymous, converteram modelo de máscara e lenços no rosto em uma marca,  tem sido responsabilizados por todos os protestos com a presença de mascarados que descambam para a selvageria. Como resultado,  a polícia tem ganho carta branca para  deter qualquer   " mascarado" e  veículos da imprensa tem propagado uma campanha que, de modo mais ou menos velado, promove manifestantes com o rosto encoberto a bandidos, afirmando ou insinuando que quem o cobre deve esconder, por trás de lenços etc,  até o quê Deus duvida.
    A caçada aos mascarados, aliás, arrancou, provavelmente, tanto aplauso da audiência que os profissionais se esqueceram de, ultimamente, informar que muita gente tampa o rosto em protestos apenas para se proteger das bombas de gás lacrimogêneo e de pimenta que são atiradas pela PM.
    Não bastasse, os blocks que, aparentemente, acham que vão abalar as estruturas do sistema por depredar alvos escolhidos a dedo, ganhou até a desconfiança de alguns ativistas, que suspeitam de que eles se lançaram e se tornaram figurinha tarimbada em protestos com o intuito de inibir o ânimo da população de tomar as ruas, em peso, em defesa e/ou conquista de seus direitos. Feito, aliás, que deve ser creditado ao exemplo dado pela rapaziada do Movimento Passe Livre, que, como se sabe,  brigou, bravamente,  pela suspensão do aumento da tarifa de ônibus,  comoveu o coração da opinião pública e promoveu, no mês de  junho, a maior e mais transgressora onda de protestos que já desaguou neste país.
    A suspeita sobre os blocks que, ao meu ver, sempre esteve longe de ser uma suposição de mentes delirantes, cedeu, graças a esse episódio, espaço para outra hipótese: parte das depredações atribuídas aos Block podem ter sido, pelo menos, iniciadas por infiltrados. Mas, como reza o dito popular, eles criaram a fama e, agora, responsáveis ou não por todos os quebra-quebra,  deitam na cama.
    O máximo que se pode desejar é que, na próxima, os Blocks peguem, novamente, um infiltrado no pulo e o ponha pra correr, e repense sobre essa tática, que, ao meu ver, no momento,  não contribui e ainda pode comprometer as recentes conquistas de quem vai pra rua lutar por direitos e sonhos. E, de quebra,  fazer do slogan, la beautè est dans la rue, de maio de 68, uma verdade irrefutável.
    Afinal, a  beleza está na rua mesmo, e, diga-se de passagem, também, vai salvar o mundo - como observou uma personagem de O Idiota, de Dostoiéviski.

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Entre ato terrorista e golpe de Estado no Chile, uma declaração de amor à A. Latina.

     Que a data 11 de setembro remete de imediato aos atentados terroristas da al-Qaeda contra os Estados Unidos são favas contadas. O intrigante é que, aparentemente, a gente, o povo desta geleia geral brasileira, lembra sempre desta tragédia provocada por alguns kamikazes  fundamentalistas islâmicos que, em 2001, entre outras proezas, atingiram em cheio as torres gêmeas do World Trade Center, em NY, e ignora que, quatro décadas antes, ocorreu um ataque muito mais devastador ao povo chileno e, no rastro, de toda América Latina: o golpe de Estado, comandado pelo general Augusto Pinochet, no ano de 1973,  que fulminou com a democracia e provocou a morte do presidente Salvador Allende, que, no Palácio La Moneda, resistiu ao golpe até os 46 minutos do segundo tempo.
     Pinochet, diga-se de passagem,, contou com o apoio militar e financeiro dos Estados Unidos, além de terroristas e neofascistas locais, para derrubar o regime democrático e, de quebra, implantar uma ditadura militar, que torturou, sequestrou e/ou matou, milhares de chinelos, entre 1973 a 1990.
      O dia dos chilenos, vale ressaltar, durou 17 anos, 4 menos que o nosso, mas ele foi mais sanguinário e heroico, e, atualmente, mais surreal que todas as telas de Salvador Dalí. Afinal, um sujeito como Allende, que sacrificou a própria vida, cometendo suicídio ou sendo assassinado pelas tropas do exército que invadiram La Moneda - sabe-se que ele sofreu ferimento de projétil, de forma que corresponde ao suicídio -em prol de um projeto, um compromisso assumido com o povo,  convicções e coerência, é uma avis rara em um mundo em que se pode contar nos dedos, por exemplo, militantes de partidos políticos legalizados ou não e ativistas de movimentos no Brasil capazes de tirar viseiras nos olhos e/ou deixarem de ser coniventes e dar o comum tapinha das costas nas ervas daninhas que , pelos mais variados motivos, dias mais ou menos, rasgam e jogam, na prática, o seu discurso na latrina.
      Esta longa introdução, e ao contrário do que faz pensar, não se deve a, diretamente, nenhum dos assuntos mencionados, mas, sim, ao fato de hoje, por volta das quatro e meia da manhã, eu ter me deparado com uma nota no facebook do jornalista Alceu Castilho sobre o 11 de setembro da América Latina, que, como disse Graciliano Ramos, é de comover feito o diabo.
     Nela, ele, autor do livro Partido da Terra - como os políticos conquistam o território nacional ( editora contexto) e que também toca o blog, Outro Brasil e página Partido da Terra, entre outras atividades, fez uma belíssima declaração de amor aos povos da América Latina, além de a sua filha, descendente, de parte materna, de mapuches, chilenos e espanhóis. E, de quebra, promoveu uma grande reflexão, em especial, a nós, brasileiros, que, cá entre nós, somos e, muitas vezes, parecemos ser tudo, menos da América do Sul, como canta o mineiro/carioca Milton Nascimento.
     Eis o belo texto de Alceu Castilho, Eu e 11 de setembro, eu e minha filha, eu e meu continente - que, aliás, comove feito o diabo, expressão de Graciliano Ramos. ( aliás, fiquei tão comovida que pilhei o texto sem nem sequer dar um toque ao Alceu - um hábito, princípio meu que, enfim, transgredi)
   " 11 de setembro de 2013. Minha filha descende de mapuches e espanhóis, em boa parte bascos. Povos bravos, altivos. Resistentes. E se orgulha de sua ascendência chilena. Sabe muitíssimo bem quem foi o general Augusto José Ramón Pinochet Ugarte, e quem financiou (antes e depois dessa data-símbolo) esse assassino, esse líder de assassinos. Ela também é filha de 11 de setembro.
     Há 40 anos, um dia antes do golpe em Santiago, seu avô materno chegava ao Brasil. Também por esses detalhes familiares as datas são importantes. Eu que descendo de portugueses e portugueses e portugueses (e negros), diretamente de brasileiros, vejo nela diariamente a soma de influências históricas. Não somente um reflexo da saga dos meus bisavós, dos Castilhos, Carvalhos, Machados. Vejo migração (vejo economia) e vejo dedos políticos (vejo guerras). E, desta forma, reconstruo antropofagicamente a minha identidade.
      Do pai, que cresceu numa ditadura, minha filha ouve diariamente exclamações sobre o Brasil - e seus próprios assassinos, traidores, usurpadores. O 7 de setembro passa batido. Até porque a palavra independência soa como uma espécie de despropósito, um exagero. (Quem poderá chamar Dom Pedro I propriamente de um herói?) Em meio ao caldeirão de conflitos que pontua o discurso paterno, 11 de setembro afirma-se nela como referência. A data a ser lembrada. Com respeito aos heróis e desprezo aos covardes.
      Por aqui, o equivalente mais próximo do 11 de setembro talvez seja o 31 de março. Que também é 1º de abril. Até o dia do nosso conflito desdobra-se em uma mentira: quando foi mesmo a última vez que nos usurparam? Mas o 11/09 - o original, chileno, não o estadunidense - continua lá, imponente, em uma data única. Com seu sangue, sua infâmia. E, no nosso caso, uma história de migração muito próxima (esta reflexão não existiria sem esse fato) a moldar o imaginário familiar.
    Por aqui, o equivalente mais próximo do 11 de setembro talvez seja o 31 de março. Que também é 1º de abril. Até o dia do nosso conflito desdobra-se em uma mentira: quando foi mesmo a última vez que nos usurparam? Mas o 11/09 - o original, chileno, não o estadunidense - continua lá, imponente, em uma data única. Com seu sangue, sua infâmia. E, no nosso caso, uma história de migração muito próxima (esta reflexão não existiria sem esse fato) a moldar o imaginário familiar.
    Por causa de minha filha, e de sua pele mapuche, e de suas feições hispânicas, sinto-me também um pouco chileno. Populismo? Olho pragmático nos vinhos, nas empanadas? Nada disso. Eu, que já sou suspeitíssimo amigo do idioma vizinho (fã apaixonado que sou de cultura latino-americana, da literatura de nosso continente), que já li em Roa Bastos, García Márquez e outros a história de nossos ditadores sinistros, sinto ainda um pouco mais a dor de nossos hermanos.
     No Brasil costumamos viver em uma ilha. Linguística, cultural, política. Somos capazes de falar em inglês em plena América Latina. Mas nosso continente não é o de Obama e Hemingway, é o de Bolívar e Borges, é o de San Martín e Ernesto Sabato, de Cortázar e de Zumbi, de Neruda e Che Guevara, de Arlt e João Antônio, de Gabriela Mistral e Orides Fontela, de Galeano e Chico Mendes. De Graciliano e Vargas Llosa (sim, grandes escritores de direita e esquerda, de heróis não exatamente à direita), de uma das melhores literaturas do mundo.
    E, no entanto, mesmo isolada, a América do Sul se move em nosso entorno. Um continente de enormes escritores e músicos, de Glauber, de Botero, de uma diversidade monumental - ambiental, étnica. E que vê parte de seus filhos ignorar - surda - essa riqueza eloquente. Alguns, mais distraídos, atiçados por porta-vozes ridículos de um arremedo de nacionalismo, chegam a repetir uma narrativa recente, anti-portenha, paupérrima, míope em relação a um dos países mais interessantes do planeta (a Argentina).
   Que utopia a de que percebamos que nossas glórias vão muito além de Messi e Pelé, que nossas tragédias sejam compreendidas muito além de Maradona e Garrincha. Que a nossa indignação pelos camponeses brasileiros assassinados se some (quando ela vier) à indignação pelos indígenas guatemaltecos executados, pelos bolivianos explorados. Que a nossa culpa pelos guaranis humilhados e atropelados (quando ela vier) se some à culpa pelas violências contra os mapuches - esses resistentes.
   Escrevo tudo isso não somente pela insônia, mas porque me orgulho de amar incondicionalmente uma menina que tem em seu sangue essa história. Porque, em meio a esse amor, multiplicam-se os motivos racionais - estratégicos, geopolíticos - para que eu me declare, ainda que evidentemente um cidadão do mundo (pois a humanidade deveria pairar sobre as fronteiras), também um cidadão latino-americano.
   Porque a beleza do continente e a dor de seus povos e a sordidez de suas elites estão ainda aí, suficientemente palpáveis, suficientemente à espreita para que possamos construir, a partir dessa identidade mínima (sim, com suas contradições, com nuances que este modesto espaço não permite aprofundar), um pacto social menos abominável ".

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

O eterno domingo do índio e do fazendeiro



     É mais fácil achar agulha em palheiro que a turma dos fazendeiros deixar de tirar leite de pedra para impedir que povos indígenas tomem posse de terras que são suas legalmente.  Especializada em entulhar o poder judiciário com todo tipo de ação e recurso para mantê-los do lado de fora das cercas, ela ainda encontra um tempinho para convencer, ou, pelo menos, tentar, a opinião pública de que os índios são um bando de usurpadores que quer pendurar suas redes em propriedades alheias. Mas, ao contrário do que se possa pensar, eles lutam, basicamente, para se apossar da parte que lhes cabe por direito deste enorme latifúndio chamado Brasil.
    O  clima começa a esquentar quando o Ministério da Justiça, com base em documentos entregues pela Funai e  proprietário da área, declara que uma terra é indígena, e pertence ao povo de uma dada etnia, para  indignação do fazendeiro, que não se faz de rogado e trata logo de mover uma ação de reintegração de posse.
    Era de supor que uma decisão do Ministério, tomada no rastro de um longo processo de estudos, investigações, análises e contestação, deveria ser acatada e ponto. Ocorre o contrário. O fazendeiro indignado, como qualquer cidadão, pode também contestar decisões legais porque, como esclarece o professor de Direito Washington Barbosa, a justiça trabalha com o direito e não só com a lei - uma entre outras fontes de direito. Ao ser acionada, entre em campo o juiz, que, após analisar os direitos do fazendeiro e dos índios, que, a propósito, tem direitos garantidos pela Constituição, defere a favor de um ou outros. E pronto: está deflagrado o conflito de terra, que dura anos nos tribunais e fora deles também.Tudo porque, ao meu ver, interesses econômicos e políticos se sobrepõem aos direitos indígenas.      
   Isso quando o senhor da terra não cai em tentação e alega que não põe fim às disputas porque o governo quer  lhe pagar  cerca da metade do valor de sua área pela desapropriação.
  Tal argumento, aliás, chega a ser comovente.  Qualquer um que cortou um dobrado  para adquirir um pedacinho de chão é capaz de se colocar no lugar do fazendeiro que se vê obrigado, por determinação legal, abrir mão de seu território, e, ainda, amargar um  prejuízo danado por " vendê-lo" por uma quantia bem inferior.
  Mas devagar com o andor. Quem, a princípio, toma as dores do queixoso se arrisca a comprar gato por lebre. É que, na verdade, ninguém sabe ao certo o preço real das terras e por uma simples razão: não há levantamento isento ou uma auditoria independente que defina o valor  de  cada propriedade. Nem, tampouco, sobre como ela foi obtida.  Ou seja, através de vias legítimas de aquisição ou da ocupação do solo, em especial,  em Mato Grosso, Goiás e Amazônia, que são regiões coalhadas de posseiros.
  Sem falar em latifundiário que parece querer tirar proveito do ambiente explosiva, além da perfomance do governo, para fazer excelentes negócios com a desapropriação e/ou jogar mais areia nos processos de declaração, demarcação e homologação de terras indígenas.  
  Aparentemente, é o caso do ex-deputado Ricardo Bacha. Em entrevista concedida a jornalista Fernanda Kintschner, do jornal eletrônico Midiamax News, ele expôs um amplo leque de exigências para vender os 15 mil hectares  da Fazenda Buriti, situada entre Sidrolândia e Dois Irmãos do Buriti, em MS, que, além se serem pleiteados, pertencem aos índios da etnia terena, segundo o Ministério da Justiça, mas que ainda não foi homologada.  Buriti, aliás, ganhou manchetes no noticiário por ter, em maio,  sido palco de uma ação de reintegração de posse que provocou a morte do índio Oziel Gabriel, baleado pela Polícia Federal. Outro terena, em outra fazenda,  levou tiro pelas costas alguns dias depois, mas, felizmente, sobreviveu.
    Bacha, pra começar, disse que só vende a área por 225 milhões de Reais e em dinheiro - que, segundo ele, está avaliada nesse valor, e não em cerca de 115 milhões Reais, preço atribuído pelos especuladores.  Como se desconhece o preço real das terras, não dá pra saber quanto, de fato, elas valem no mercado.
   Não bastasse, o ex-deputado e pecuarista também quer que a União, além da Buriti,  compre todas as fazendas, envolvidas em conflito na região, que estejam à venda. De acordo com ele, das 31 fazendas, apenas quatro  não estão com ocupações indígenas. A explicação para tamanha exigência é bem simples:  a compra da fazenda dele não vai ampliar, de fato, a Aldeia Buriti,  informou o advogado dos proprietários, Newley Amarilla, ao Midiamax,   pois,  fisicamente, entre os dois mil hectares já demarcados e ocupados pelos terenas, e os 15 mil a serem resolvidos, há outras terras também em conflito" .
   As condições de Bacha não terminam ai.  Ele que, aparentemente, disputa o posto de Todo Poderoso com o Timão, também só vende os 15 mil hectares da Buriti se puder adquirir terras em localização e na qualidade da atual.  E, de quebra, aproveitou à entrevista para avisar: arrendamento, nem pensar!
   Pode-se dizer, aliás, que tal repertório de exigências se afina, perfeitamente, com quem integra o time dos eleitos dos deuses, que, após entrar para a cena da política institucional, recebe tantas bençãos que acabam erguendo verdadeiros impérios. Para se ter uma ideia, o jornalista Alceu Castilho descobriu que entre 1996, dois anos antes de disputar o cargo de governador de MS pelo PSDB  e 2006, quando foi candidato  à Assembleia Legislativa pelo PPS, a quantidade de terras de Bacha saltou de 1.252 para 6.214 hectares, distribuídos em nada menos que 13 fazendas.  Estes dados, afirma Castilho, constam das declarações de bens entregues à Justiça Eleitoral, e foram, entre outros, revelados por Alceu em posts no blog Outro Brasil e também no seu livro Partido da Terra -  como os políticos conquistam o território brasileiro (Editora Contexto, 2012) - uma obra de tirar o chapéu.  
    Se o fazendeiro ampliou o seu território graças a um empurrãozinho dos deuses, ao seu tino comercial, e, portanto, mérito próprio, ou qualquer outro motivo é uma questão que cabe às autoridades competentes investigar, avaliar e dar o veredito.
   O que eu sei é que os 293 povos indígenas tem o direito, garantido pela Constituição, de  tomar posse de suas terras e levar a vida sem ter de enfrentar jagunço e se defender de madeireiros e outros que invadem seus territórios para desmatar floresta, explorar toda sorte de recursos naturais etc. E, bem pior ainda, morrer ou ser morto porque as autoridades não encontram soluções eficazes para reduzir conflitos de terras.  Que o diga o terena Oziel, que, aos 36 anos,  levou bala e acabou partindo dessa para melhor por ter se atrevido a brigar com cachorro grande pelo território de seu povo.


segunda-feira, 18 de março de 2013

Afrodisíacos, uma ilusão irresistível



   
      O moço vira e mexe não exibe aquela perfomance  na cama?  A moça perde o rebolado diante do broto sarado?   Não é preciso arrancar os cabelos. O arsenal de afrodisíacos que ganhou as ruas e lojas virtuais para banir os dissabores da cama faz supor que o paraíso está ao alcance de todos os gostos, bolsos e aflições. São poções e mais poções, incrementadas com tudo aquilo que, rezam as lendas, é capaz de dar fôlego a leão e causar frisson em esfinge, desde que se tenha fé na munição.
      Basta dar um pulo em alguma barraca do ramo para se deparar com uma profusão de folhas e raízes, chazinhos, além de muitas garrafadas contra a disfunção erétil a preços pra lá de atraentes. Os interessados ainda ganham conselhos dos doutores das ervas que se gabam de conhecer seus segredos.
     Aqueles que torcem o nariz para a taba dos pajés podem se abastecer nas lojas virtuais e outros pontos de venda. Há cápsulas e xaropes que prometem fulminar de ejaculação precoce a frigidez .
    Mesmo quem já cruza e descruza pernas como Sharon Stone e pula de janela em janela como D. Juan não resiste à tentação de abrir o apetite com um drinque de ervas afrodisíacas. " Quem acredita pode tomar qualquer coisa que, provavelmente, vai ter um desempenho melhor", afirma o professor Elisário Carlini, do Cebrid, da Universidade Federal de São Paulo.
     O microempresário Reinaldo, de 30 anos, se convenceu de que a fé remove montanhas quando experimentou um  coquetel afrodisíaco. " Tive uma ereção espontânea", afirma. Não, ele não voou no rabo de saia mais próximo depois de beber a taça de tequila com um pozinho de ervas. Em compensação, quando aterrissa na cama, Reinaldo garante que flutua e leva qualquer uma suspirar de prazer. " Fico mais excitado e tenho ereções prolongadas, diz.
     Mas devagar com o andor. Não se imagine que para bater o bolão de Messi no campo do sexo basta tomar um drinque. Esse tipo de afrodisíaco, e todos os outros, estão longe de transformar num passe de mágica um perna-de-pau em craque. Por um simples motivo: eles não contêm substâncias que comprovadamente estimulem a libido e aumentem a potência.
     Vale ressaltar que nove entre 10 remédios que prometem garantir uma perfomance e tanto contêm todo tipo de vitaminas, aminoácidos e sais minerais que não tem ação direta na sexualidade. Eles podem manter o organismo mais saudável e, por consequência, propiciar uma vida sexual satisfatória. Daí achar que coqueteis do gênero são capazes de transformar simples mortais em deuses do sexo vai uma boa distância.  No caso de se estar de farol baixo por causa da deficiência de vitaminas, esses complementos   também vão melhorar o desempenho em geral. O resultado, adverte o endocrinologista Walter, não é imediato. " Nosso organismo não sofre variações bruscas. O indivíduo incorpora nutrientes e, progressivamente, vai melhorando".
     A ciência, porém, não impede que se continue a lançar mão desse  "passaporte" para o Éden.   Reinaldo é um  que sai à caça de tônicos para enfeitiçar as presas mais arredias. " Já rola um clima só em pedir um afrodisíaco. É como lingerie, libera as fantasias".
     É claro que temperar a vida com pitadas de fantasia é, afinal, tudo o que os afrodisíacos podem fazer. Todo mundo sabe disso, ou pelo menos deveria saber, mas, lá no fundo, tem gente que espera mais.
    " Quero ficar mais atrevida e criativa. Mas só me frustro", lamenta-se Lúcia, de 22 anos. Mesmo assim, ela tenta receber essa graça de um prato de ostras gratinadas acompanhado de um drinque que mistura ginseng, catuaba e outros ingredientes.
     Por mais que sonhe implodir limites internos com uns tragos e/ou um prato, ainda não se inventou nada tão poderoso. A rigor, o termo afrodisíaco vem do grego afrodisia e quer dizer, aquilo que restaura as forças geradoras. Nesse sentido, ás vezes, um ou outro estimulante pode dar uma mãozinha à perfomance, como lembra o médico e psicoterapeuta Moacir Costa: " A pessoa que atravessa uma fase de desgaste e apatia pode reacender o desejo ao tomar algumas dessas substâncias"
     O pavor de marmanjos e mocinhas do presente e do passado de negar fogo diante de um belo par de pernas ou um tórax bem definido sempre os levou a avançar sobre poções que saem dos laboratórios ou dos caldeirões das bruxas.
     Aparentemente, todos os povos do Ocidente e do Oriente, desde os babilônios 4 mil anos antes de Cristo, tem nutrido a expectativa de encontrar a virilidade, o amor e o prazer sexual em práticas ou substâncias que concentrem todo esse poder e opere milagres.
    As proezas atribuídas aos afrodisíacos encravaram no imaginário de sucessivas gerações e inspiraram lendas e obras literárias. A Mandrágora, uma comédia de Maquiavel sobre a dissolução dos costumes, põe a erva mágica do título no centro da trama.
    É por isso   que por trás do simples ato de se servir um afrodisíaco está um mundo de sonhos e desejos, provavelmente, mais fortes do que o efeito da poção. " Ele vai agir em quem vive bem com a sua sexualidade e está disposto a dar asas à imaginação", explica Moacir Costa.
    Que o diga o tímido João. Como acontece com o professor aloprado de Jerry Lewis, sempre que toma uma poção mágica, esse designer se transforma em um D.Juan irresistível. " Parto para o ataque em meia hora. Se não bebo, levo umas duas horas", diz ele, que atribui poderes milagrosos ao uísque com ervas. " Fico mais carnal, fogoso. Pego mais firme".
      Quando falta fôlego aos conquistadores, parece que qualquer remédio é bem-vindo.  "Tomei  algumas cápsulas para transar legal todos os dias, mas tive uma tremedeira danada", conta o gerente-comercial João, de 40 anos, que não lembra o nome das malvadas.
  Engana-se quem pensa que a mulherada se poupe para soltar aquela pantera e atrair o sexo oposto. Quem vê as moçoilas comprando vulva de boto no Mercado Ver-o-Peso, em Belém, sabe que não é um exagero. Com o órgão genital do bichinho, elas preparam um unguento para usar em banhos íntimos.
     As menos afoitas, agora, só precisam pintar as unhas para fisgar uns brotos por ai. É que elas  ganharam, recentemente, uma linha de esmaltes afrodisíacos que, na fórmula,  contêm feromônio - substância secretada por insetos e mamíferos com o objetivo promover a atração sexual.
     Essa variedade de produtos mostra que, dos tempos dos romanos pra cá, apenas se ampliou o leque de afrodisíacos. Aliás, boa parte das plantas e testículos de animais que alimentaram esperanças dos povos antigos e primitivos ainda gozam de prestígio. Prova disso são os medicamentos que utilizam alguns desses ingredientes em sua composição.
     Tudo seria muito natural se essas substâncias realmente tivessem uma ação específica sobre a sexualidade. Os extratos de testículos de animais, por exemplo, nem sequer são absorvidos pelo organismo:  eles são degradados no intestino e viram aminoácido".
     O paraibano conhecido como Mestiço, que consome ginseng há mais de 40 anos,  está tão satisfeito com essa planta que nem sequer cogita experimentar outro produto. " O camarada que toma ginseng direto, fica tinindo. Se procura depois que caiu na cama e perdeu a mulher, ai tá lascado".
     Os atributos do ginseng, aliás, são fundamentados numa doutrina medieval. Segundo alguns sábios do período, uma planta já mostrava na aparência a sua função. No caso do ginseng, dizia-se que deixava o homem mais viril porque ele absorvia, ao ingeri-la, toda a potência dessa raiz bifurcada que lembra um par de coxas unidas pelo órgão sexual masculino.
    Filomeno , ao contrário de Mestiço,  provou várias poções do cardápio afrodisíaco para se livrar do  jejum sexual até descobrir e render-se aos encantos da garrafada, mistura de um punhado de ervas curtido no vinho branco. " Agora, estou animado e transo todo dia",  afirma esse balanceiro de ferro-velho de 50 anos,  sem omitir que mal esvazia um litro e já compra outro.   "Estou ficando velho e preciso me cuidar", diz .
  Não é porque ele recuperou a antiga alegria de viver após tomar a garrafada que qualquer um já pode se preparar para soltar fogos se fizer o mesmo. Mas também não pode descartar totalmente a possibilidade. É que a falta de estudos sobre plantas ditas afrodisíacas impede, por um lado, que se conheçam suas funções terapêuticas. E, por outro, contribui para alimentar lendas em torno delas.  
     Tanto é que tem quem atribua seus ímpetos ousados às poções mágicas. " Uma vez tive uma vontade imensa de beijar um desconhecido em uma festa. Fui até ele, beijei o cara e o deixei lá" , conta  a vendedora Regina, de 32 nos, que jamais teria feito tal coisa se não tivesse tomado um uísque com um pozinho de ervas.
       É um erro pensar que apenas a mística dos afrodisíacos enseje atos ousados. Sem o álcool, talvez, o ímpeto não fosse o mesmo. Além de aumentar o desejo, ele tem uma ação depressora no sistema nervoso e joga pra escanteio ansiedade, nervosismo e outros personagens que embolam o meio de campo. Mas o efeito é discutível, como advertiu Shakespeare há mais 500 anos atrás. " O álcool senhor, aumenta o desejo mas impede a realização.
     Na busca da noite perfeita, o perigo pode vir de onde menos se espera.  Nem mesmo os chazinhos podem ser ingeridos sem limites porque uma dose maior pode provocar efeito contrário. Um exemplo corriqueiro é o guaraná em pó, muito usado por quem quer se sentir ligado. Mas uma overdose pode provocar taquicardia, insônia, nervosismo e até diarreia.
    A falta de informações sobre as plantas ditas afrodisíacas tem também razão cultural. Na cultura ocidental, o prazer e o bem-estar são, até certo ponto, relacionados com o pecado. Por isso, segundo Carlini, a medicina se empenha em procurar remédios para combater doenças. Já, na medicina chinesa, a prioridade está nas substâncias que melhoram o estado de saúde, como o ginseng. " A pessoa vive, trabalha e dorme melhor. Com isso, vai ter maior atividade sexual.    
    Na corrida pelo bem-estar, os indígenas também saíram na frente. " Índio com 80,90 anos tem mulher", diz Mamede.   A boa saúde sexual, segundo ele,  dos terenas idosos se deve ao hábito diário de tomar uma infusão de diversas raízes, principalmente catuaba, maripuama, nó de cachorro, ginseng do Pantanal e catingueira. " A raizada repõe energia e fortalece os nervos", diz, e finaliza " Quando a cabeça está forte, o resto funciona. Quem manda no corpo é a cabeça".
    É por isso que quando quando a publicitária Maria Paula está cheia de fantasias na mente e com o namorado ao lado aposta as fichas em um copo de vinho do porto com ervas. " O sabor e o cheiro me instigam os sentidos. Desafogo o ego. Faço sexo com mais vontade e liberdade.
    A exemplo da fêmea do casal de elefantes de uma lenda do século 13, que come uma mandrágora e atiça o macho a fazer o mesmo, Maria Paula convence o namorado dar uns goles no drinque. " Ele fica mais fácil e mais tarado", explica. "Sou sempre tarado", retruca o namorado, o cinegrafista Walter.  O elefante e os cabras machos do planeta certamente vão dizer o mesmo.