a rua é da gente

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sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Hip Hop Indígena




                            Xondaro Mc's e OZ Guarani no Festival Mbaraeté, na Casa da Caldeira                                      

   É com ritmo e poesia que uma rapaziada guarani mbya decidiu lutar pela demarcação de terras e pronto: lançou os grupos de rap Xondaro ( guerreiro) MC's e OZ Guarani e, desde então, tem tomado os palcos para falar sobre o seu dia-a-dia dentro e fora da Aldeia do Jaraguá, São Paulo, protestar contra o preconceito e denunciar o extermínio dos povos indígenas. Amanhã, 19/12, eles vão levar para a  Festa de Fim de Ano do Mbaraeté, na Casa Amarela, o rap indígena, que tem dois diferenciais: uma base musical de instrumentos típicos, como rabeca, chocoalho, violino indígena, à eletrônica e versos em português e guarani.
     Movidos pela convicção de que sua música é um trunfo para melhorar as condições de vida de todas as aldeias, que, a propósito, são muito precárias, eles capricham na rima e aproveitam suas exibições para tornar seu trabalho e cultura  reconhecidos por uma variada plateia.
    "Muita gente pensa que índio não tem cérebro e não sabe fazer nada", desabafa o ex-servente de pedreiro Herbet, de 20 anos. Mas ele não se abate. O guerreiro transforma sua indignação em versos e rimas desde os 9 anos e, junto com Thiago, falecido dois anos atrás, e Mário, de 24 anos, formou o Xondaro MC's.
     O grupo se apresentou pela primeira vez no show de talentos promovido na aldeia, em 2007, pela Dra Andrea, antiga médica do único posto de saúde que atende indígenas das duas aldeias do Jaraguá.  Na ocasião, conta Mário, Sandrão, do RZO, amigo de seu irmão Thiago, foi vê-los e lhes deu um pen drive com 100 bases gravadas para que pudessem criar seus raps sem tanta dificuldade.
    De lá para cá, os rappers, que entram em cena caracterizados de guerreiros,  evoluíram musicalmente e tem exibido uma melhor perfomance no palco. Graças as aulas de música, dança e teatro que fizeram no Projeto Vocacional, em 2011. O Projeto também rendeu ao grupo convites para cantar nos Céus, Centros Culturais e outros espaços. Vale lembrar que música e dança fazem parte de sua cultura ancestral, como afirma Mário. " Cresci na aldeia em meio a cantos sagrados para a terra, lua, o sol e dança dos guerreiros".
    Foi, aliás, no ano de 2011 que o grupo tomou as ruas pela demarcação de sua aldeia ao promover e cantar na primeira manifestação indígena em São Paulo. " A nossa música influenciou nessa conquista do nosso povo", revela com orgulho Mario, ajudante de padeiro e de pizzaiolo, que sonha viver da música.
    Fazer carreira musical, porém, está longe de ocupar o topo de prioridades de Mário e Herbet. O que eles querem mesmo é mostrar a beleza e força da sua cultura e contar a verdadeira história indígena, popularizando heróis como Tupi, que libertou muitos parentes e negros escravizados pelos bandeirantes antes de ser morto. Além de passar uma mensagem positiva para a meninada da aldeia.  " A gente fala sobre a importância de estudar e de resistir ao extermínio ", esclarece Herbet.
   Não se pense que eles se limitem a denunciar em suas letras o doloroso cotidiano dos indígenas, abandonados pelo poder público. Nelas, esses rappers abordam os problemas da sociedade em geral que também paga um preço salgado pelas ações e omissões dos governos.
" O homem evoluiu, evoluiu, mas está se tornando um bicho", avalia Herbet e completa, " Todos, indígenas, negros e juruás (brancos) precisam se unir para construir um futuro menos injusto, preconceituoso e desigual"
    Do mesmo modo que o Xondaro MC's, o OZ Guarani também acredita no rap para promover  mudanças na realidade. Tanto é que esse grupo, formado por Jefferson, de 16, Geneci, de 20 e Wladimir, de 19 anos,  surgiu no rastro de uma ordem de reintegração de posse que tirou o sono da aldeia no final do ano passado." O rap é o meio de a gente falar do sofrimento do nosso povo provocado pela falta de demarcação de terra", afirma Jefferson, de 16 anos, e prossegue, " e do descaso dos políticos que não querem nem saber da nossa situação."
   Depois de fazer rimas para alcançar mentes e corações, os rappers criaram uma página no facebook para divulgar seu trabalho e, em seguida, foram convidados para participar do Fórum do Hip Hop. O OZ Guarani, então, entoou seus versos em diversos espaços e levou o público a conhecer um pouco as crianças e os mais velhos da aldeia. E, de quebra, as dificuldades de se estudar numa escola que oferece péssimas condições para aprendizagem.
    "Nossa escola não tem quadra para aulas de educação física", diz Jefferson, e continua "Janelas e telhas estão quebradas, e, quando chove, a minha classe precisa sair da sala pra ter aula em outra turma."
    Outro motivo que rende raps é a falta de respeito de juruás, brancos, por sua aldeia. " Eles jogam lixo e abandonam cachorros na entrada", indigna-se o rapper.
 Essa rapaziada indígena que encontrou no rap o caminho para falar sobre sua vida e superar desafios quer, ao final, algo bem simples, como revela Herbet. " A gente só quer paz e respeito", e finaliza, "Nada mais que sermos vistos e tratados como seres humanos."

Casa Amarela, Rua da Consolação, 1075, São Paulo, SP
 Maiores informações sobre o evento Mbaraeté - Festa de Fim de Ano -  www.facebook.com/events/1038758186162366/