a rua é da gente

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domingo, 9 de setembro de 2012

Avisa lá pro Obama: Brasília e Rio Preto são puro jazz, e Washington Carvalho é o cara.

 


    É sempre a mesma coisa: entra mês e sai mês, e às marchas contra a corrupção do Planalto Central e da aconchegante São José do Rio Preto dão show de público, protesto e  criatividade, enquanto às de Sampa são um fiasco em todos esses quesitos.
   Dois dias atrás, aliás, os grupos anticorrupção nem sequer levaram suas lideranças, pelo menos, não todas, para a Paulista. Tanto é que Carla Zambelli, de o Nasruas, e Marcello Reis, Revoltados Online,trocaram esse desfile, com a presença de 600 a 800 manifestantes,  pelo de Brasília, que reuniu nada menos que cerca de 8 a 10 mil na Esplanada graças ao grupo MBCC. É provável que Carla tenha voado até lá para prestigiar e atrair gente para a marcha de o Nasruas-DF, marcada, por sinal, no mesmo horário da que foi organizada pelo MBCC. Mas, se foi para engrossá-la, ela deu com os burros n'água: os integrantes de seu grupo na capital do país sumiram com faixa e tudo no meio da multidão.
    Mesmo assim, ela e Reis, e ao que tudo indica, o casal 20  do movimento cibernético de SP e, quiça, algum dia, do território nacional, não saiu de lá de mãos abanando: eles devem ter faturado uns trocados com à venda de camisetas.
    Nem é preciso dizer que a perfomance da dupla dinâmica deixou o pessoal do Planalto de queixo caído. Espantoso mesmo é saber que a marcha da maior cidade do país atraiu em torno de 600 a 800 gatos pingados e não contou nem com a presença de alguns de seus organizadores. Fazer comparações entre os combatentes da corrupção de São Paulo e Brasília, vamos combinar, chega ser falta de educação.
    A manifestação de protesto em Brasília, e ao contrário das anteriores, foi marcada por lances sinistros, como diz Geraldão, do MBCC." O comandante do policiamento deu sua palavra, em uma reunião, que a gente poderia descer com o nosso carro de som até à Esplanada dos Ministérios. Mas, 5 minutos antes de fazer o trajeto, ele ligou e proibiu a descida com carro por ordem da presidência", afirma ele, destacando o fato de o MBCC, no ano passado, ter usado um carro de som para pedir a manifestantes que não invadissem uma área de segurança. No caso, um espelho d'água em frente ao Congresso. " Se tentassem de novo, como a gente iria orientar as pessoas?, pergunta.
   Os lances sinistros não param ai. " Toda a extensão da Esplanada estava com tapumes e cerca", diz e prossegue " As torres de água para o pessoal se hidratar dessa vez não foram colocadas pela CAESB, Companhia de Água. E, ainda não bloquearam o tráfego, atrasando o desfile em duas horas"
Não bastasse, revela Geraldão, apareceu gente na fanpage os chamando de corrompidos por terem criticado a presidente Dilma devido à proibição do carro de som na Esplanada. " Falaram que ela não teria tempo para se preocupar em dar ordem para um carro não descer", relata, e finaliza, " O que, também, aumenta a corrupção no país é que muita gente vê os politicos como Deuses, e os partidos, como Seitas", desabafa.
    Outra indelicadeza é exibir aos cabeças do movimento cibernético da Pauliceia a perfomance dos ativistas de São José do Rio Preto, cidade do interior de SP, que, como sempre, esbanjaram criatividade e coragem. A comissão de frente, formada por jovens, levou para a marcha, organizada pelo #vergonhariopreto, tampas de caixão pretos em papelão, batizadas com os nomes de  vereadores denunciados por práticas de corrupção, com o intuito é de mostrar o enterro do prefeito e vereadores, como esclarece Roberto Prota, do Política & Debates
    Todos os integrantes do movimento, e para indignação de qualquer um, desfilaram sob ameaça do suplente e, também, candidato a vereador Daniel Caldeira, além de presidente do partido PSL: O político, digamos assim, teve a cara de pau de declarar na rádio local que levaria 500 pessoas, pagas, para um confronto com o pessoal do # vergonhariopreto, como revela  Gustavo Antonio Panin Ciocca, que também faz parte do grupo.
   Ciente disso, a polícia procurou o movimento para informar que garantiria a segurança. E garantiu mesmo, como confirma Washington Carvalho, integrante do movimento: " Vários oficiais acompanharam a marcha à paisana e filmaram toda nossa ação", diz ele, e, também, secretário-geral do PV de São José do Rio Preto, esclarecendo que a polícia vem protegendo o movimento havia meses.
     É que não é de hoje que esses ativistas são ameaçados por poderosos da cidade. Mas o clima de bang bang esquentou mesmo depois do dia 31 de julho, quando capangas cobriram de porrada um dos integrantes do #vergonhariopreto durante, pasmem, uma sessão da Câmara de Vereadores para a votação de abertura de processo de cassação do vereador Oscar Pimental (PSL),e, também, presidente da casa, por suspeita de exploração sexual de duas menores de idade.
    Na ocasião, essa turma do balocobaco - que, a propósito, bate o ponto nessa casa para pressionar às autoridades a apurar n denúncias de corrupção, ainda foi intimidada pela presença de uma tropa de choque solicitada pelo incansável Caldeira. Diante disso, integrantes do #vergonhariopreto, além de registrar um B.O. nas delegacias contra o sujeito, o denunciou ao Ministério Público e à OAB, Ordem dos Advogados do Brasil. E, três dias depois, também denunciou à Polícia Federal a ligação irregular entre o presidente da Câmara com o Sindicato dos Motoristas, responsável pelo transporte, em ônibus, de manifestantes pró-Oscarzinho, presentes no espetáculo de pancadaria e intimidação na Câmara, em 31 de julho.
     Desde então, o pessoal tem andado com um olho na frente e outro nas costas para, pelo menos, tentar evitar virar saco de pancada de capanga ou coisa bem pior mesmo. " Antes, a gente entedia que essas ameaças eram para esvaziar o movimento no desfile, povoado por jovens e adolescentes", afirma Washington, e prossegue, " mas elas são proteger o prefeito, acusado de fraude em licitações", e conclui:  Não dá para a gente ficar batendo nas denúncias contra o prefeito e brincando de gato e rato com os capangas ao mesmo tempo", esclarece Washington, que foi contatado por um jagunço que fez uma ameaça de morte a ele e a meninada do movimento na marcha do ano passado. Pouco depois, Washington sofreu um infarto anunciado havia algum tempo. Não se sabe se à ameaça o precipitou ou não , o fato é que ele teve um infarto após esse recadinho desagradável.
     A manobra radical da jagunçada, porém, para calar a boca desse integrante de o #vergonhariopreto - um grupinho carne de pescoço que não sai do pé dos corruptos - não esmoreceu o seu espírito combativo.   "Se eu ficar alheio a tudo isso, ai é que eu tenho outro infarto!", diz ele, rindo de si mesmo. Vale ressaltar que a situação por lá é tão punk que até cachorro late pra autoridade em palanque- a cena está no vídeo.
    A sacada bem-humorada cai como uma luva nesse rapaz, de 5.0., que faz lembrar um soldado do incrível exército de Brancaleone no combate à corrupção e à degradação ambiental em São José do Rio Preto. Com mente e coração de pirata, ele também está metido em todas as manifestações libertárias da cidade. E, de quebra, não tá nem ai para os holofotes nem de olho em outros interesses. A luta dele é para e pelo bem da cidade. E ai Obama e movimento cibernético de anticorrupção, em especial, de São Paulo,   Washington Carvalho não é o cara?

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

As penas dos pavões voaram na Pauliceia Desvairada




Pessoal, As penas dos pavões voaram na Pauliceia Desvairada é o primeiro de uma série de posts sobre dois temas:  Movimento de Combate à Corrupção e drogas. Entrevistei 30 pessoas para produzir essas matérias, entre amigos do face, de diversas profissões, médicos e cientistas. Pode-se dizer que esse post inicial é um briefing geral, recheado de questões, que vão ser exploradas e, em alguns casos, comprovadas em publicações posteriores.Essa série começa hoje e termina na terça, dia 11 de setembro. Espero que vocês gostem. Muito obrigada, bjs, Eloisa.  


     Se você ainda não sabe fique sabendo:boa parte das lideranças dos grupos anticorrupção de São Paulo vive em um pé de guerra no espaço virtual de fazer corar marqueteiro de campanha eleitoral. Munidas de invejável artilharia, elas trocaram tantas farpas, ofensas e acusações nas redes sociais nos últimos 10 meses que conseguiram rachar de vez o movimento de combate à corrupção nessa cidade.
   Como resultado, essa cisão vai render três manifestações nessa semana. O grupo Dia do Basta, assim como o Nasruas, em dobradinha com Revoltados Online e demais agregados, apostam nas mesmas marchas de sempre para levar uma multidão pra rua.
  O Mudanças Já, por sua vez, uniu-se ao Nova Política, Queremos Ética e Quero o Fim da Corrupção para promover um protesto inovador e diferenciado em frente ao MASP, amanhã, às 17 horas, que pretende parar à avenida Paulista
    Nem é preciso ter bola de cristal para saber que o desafio de abarrotar à avenida de gente está à altura de quem se propôs pôr  fim a essa prática criminosa. Ainda mais quando se lembra que, meses atrás,a Pauliceia Desvairada mostrou que estava mais animada em lutar para acender um baseado sem ser enquadrada pelos agentes da lei do que acabar com a farra dos larapios que embolsam a nossa grana.
   Prova disso é que, em abril, a marcha da maconha atraiu 1.700 manifestantes contra 800 da marcha de combate à corrupção, segundo cálculos da PM, e, mais recentemente, a vigília do mensalão, em 7 de agosto, contou com cerca de vinte gatos pingados nas primeiras horas. Isso aconteceu por motivos que dariam para encher um rosário e culminaram com o racha do movimento.
   A falta de charme dos protestos anticorrupção foi um entre outros a inibir os ânimos, em especial, dos jovens a tomar às ruas em peso, para cortar as asinhas dos marajás tupiniquins. Que desviam nada menos que 85 bilhões dos cofres públicos para incrementar o patrimônio pessoal e financiar campanhas eleitorais.
  " Na marcha da corrupção, tem " gente feia, gorda, cheia de razão e chata". Acha que vai mudar o mundo, mas não consegue nada. Já, na da maconha, tem gente bonita, sexy e descolada que sai de lá e vai para a balada", diz Henrique Peer, um dos três secretários-gerais do Partido Pirata, e completa: " De um jeito alegre e transgressor, eles mostram que a repressão deve ser contra os corruptos e não contra os usuários da erva".
    Soma-se a isso, destaca Peer, a combinação de dois fatores que disparam o gatilho da descrença e indiferença da população: a convicção de que corrupto não vai preso aliada a percepção de que a corrupção é algo distante e pronto. Muita gente nem percebe que essa prática criminosa empana o dia a dia de qualquer um. Já, a proibição do consumo de maconha afeta em cheio a vida do usuário." Quando ele é pego com o fumo, leva um esculacho do policial e assina um termo circunstanciado", afirma ele.
   O risco de ir parar na delegacia por causa de um baseado levou usuários e simpatizantes da legalização da terceira droga mais consumida do mundo a promover marchas em diversas ruas do planeta. No Brasil, os militantes dessa causa ganharam terreno com o ante-projeto de descriminalização do uso de drogas - o primeiro passo para se discutir mesmo essa questão no país - para desgosto de parte da sociedade, que se empenha em vetá-lo porque ainda aposta na política de tolerância zero para conter e  desestimular o uso dessa e de outras substâncias ilícitas.
   Enquanto o pessoal da marcha da maconha saboreia essa pequena vitória, os combatentes da corrupção tem amargado uma derrota atrás da outra desde que puxaram a primeira marcha em São Paulo. Vale ressaltar que, com a constitucionalidade da lei Ficha Limpa, alguns se deram tantos tapinhas nas costas na rede que pareciam ter mobilizado meia São Paulo em prol dessa conquista, mas sensibilizaram, no máximo, alguns vagões de metro na hora do rusch. A última marcha, então, perdeu de lavada para à da maconha, que contou com mais que o dobro de participantes.
  " O que acontece é que o manifestante é um fraco viciado em cidadania. Já o maconheiro é um ferrenho defensor de sua liberdade de fumar um baseado", afirma José Parra II, do Revoltados Online e Nasruas.
    Em termos. Que o povo brasileiro está no jardim de infância em disciplina de cidadania são favas contadas. O fato, porém, não é suficiente para explicar o fenômeno de usuários de maconha e zeladores dos direitos individuais darem bem mais ibope que o exército anticorrupção.
   A advogada Ana Correa Correa da Rocha, do Uberabão, não se faz de rogada e arrisca um palpite: " acho que a união do pessoal pró-maconha, bem como o seu ideal, são mais sólidos em função até mesmo dos muitos anos de liberdade suprimida", e prossegue, " Agora, as marchas contra a corrupção tem uma concepção moralista, pouco pragmática e muitos integrantes do movimento cibernético tem um ego maior do que à causa".
   De fato. A turminha que comanda os grupos virtuais de São Paulo, com raras e honrosas exceções, cometeu a proeza de converter a luta contra à corrupção em uma mera coadjuvante do espetáculo de cidadania que armaram para ganhar um pouco de destaque na cena brasileira. E, de quebra, colher benefícios, que apenas à Divina Providência sabe ao certo.
   As lideranças, por exemplo, agem como qualquer candidato a celebridade instantânea para conquistar os seus 15 minutos de fama. Ao avistarem um jornalista em uma manifestação, disputam  uma corrida atrás do pobre. O vencedor, segundo o estudante Renato Felisoni Jr., do Mudanças Já, trata de mantê-lo fora do alcance dos companheiros de luta, e aproveita para atribuir a si mesmo e ao grupo a que pertence à organização do evento, omitindo que ele resultou de um esforço coletivo. Não bastasse,vira e mexe, boicotam iniciativas alheias. " Se não topam participar de um protesto, deletam o post de divulgação em sua página no facebook", finaliza Renato.
    Não se imagine que integrantes do movimento cibernético deem apenas pernadas uns nos outros para atrair os holofotes. Eles mostraram, ao longo de meses, que não são tão apartidários como propagam por ai, torcem o nariz para a democracia e fogem de uma boa briga de ideias. Trocam o livre debate pela censura, driblam opiniões incômodas com ironias e ataques pessoais e até expulsam de seus grupos os mais inconvenientes, que se atrevem discordar ou questionar decisões. Na matéria,aliás, o Nasruas, em especial, e Revoltados Online são imbatíveis.
    O que não falta são histórias de ex-membros que foram vítimas desse punhado de práticas antidemocráticas do grupo Nasruas. Denúncias, naturalmente, contestadas por Carla Zambelli, a criadora de o grupo,  que, a julgar pelo seu discurso, também tem o dom de cair no conto do vigário. Marcello Reis, de o Revoltados, prefere calar a boca, poupando os ouvidos mais sensíveis.
    Mais ainda, como adverte Jim Tak,  do Nova Política: " Muitos grupos que estão na marcha são políticos-partidários e miram tanto essas eleições como as de 2014", e prossegue o administrador de políticas públicas " a gente não sabe se esses militantes são contra a corrupção ou contra os outros grupos.
   O enigma, no entanto, é facilmente decifrado por Leandro de Santos Souza, candidato a vereador pelo PSOL, que navega em dezenas de grupos anticorrupção do espaço virtual: " Todos tem o intuíto de acabar com a corrupção e estão abertos ao diálogo desde que o assunto não vá de encontro à ideologia de seus administradores e pseudo-líderes", afirma.  Em compensação, segundo Jim, o pessoal que luta pela descriminalização da maconha também luta pela liberdade de expressão e de um modo diferenciado. " Eles tem, simplesmente, uma organização molecular e autônoma", diz, e finaliza" Acho maravilhoso que isso esteja acontecendo"
   Essa onda de inovação, no entanto, pouco respinga no movimento de combate à corrupção de São Paulo. Os adversários são vistos e tratados como arqui-inimigos de histórias em quadrinhos.
    Que o diga Renato Felisoni Jr., - um moleque marrento, idealista,criativo e de espírito combativo, de 20 anos - que virou  alvo de uma campanha surreal dos Revoltados Online e outras lideranças, que tem feito até o que Deus duvida para transformá-lo em um baderneiro, desde o dia em que ele pisou nos calos de uns e outros.
   O que, aliás, chega ser compreensível. Quem mandou o marrento apontar o dedo para integrantes do revoltados online, com o dobro do tamanho dele, e obrigá-los a tirar camisetas que estampavam o nome de seu próprio partido político durante a última marcha promovida pelo movimento? Quem o autorizou falar uns impropérios ao ser repreendido pela polícia por ter ultrapassado, sem querer, o limite das faixas da via destinadas aos manifestantes? E, ainda por cima, ousar sentar-se na avenida em meio a uma aglomeração de cerca de 40 rapazes e moças que resistiu acatar às ordens de queimar chão de um batalhão para desobstruir o tráfego?  
   É justamente por esse movimento reunir, no mesmo balaio, gente com interesses, princípios e visões de mundo tão distintas que o racha, na verdade, não passava de uma espécie de crônica anunciada.
   Mesmo aqueles que, em tese, tem mais afinidades que arestas para aparar entre si entraram em rota de colisão. Tanto é que a representante oficial do Nova Politica, Rose Russolo Losacco, caiu fora da organização do evento por, pasmem, discordar da decisão de divulgar o protesto, com uma certa antecedência, no facebook, segundo Felizonsi Jr.
    Como se vê, não é á toa que as manifestações anticorrupção beiram ao fiasco em São Paulo. E, ao que tudo indica, só mesmo Santo Expedito poderá operar um milagre e livrar Dia do Basta e o Nasruas em parceria com Revoltados Online e agregados do vexame de reunir uns míseros 100, 200 gatos pingados em suas marchas no dia 7 de setembro - a presença de manifestantes adicionais irá se dever a outras iniciativas.
   Agora, o protesto, de amanhã, dos grupos Mudanças, Quero o Fim da Corrupção, Queremos Ética e Nova Política, a meu ver, não vai parar à Paulista, mas tem chances de fazer, pelo menos,  boa figura na avenida. Graças, em especial, ao marrento do Renato, que, à essas alturas, deve estar catando manifestante à unha.
    Boa sorte, meninada. Na próxima, deem um pé na velharada cheia de razão e invistam no charme da juventude, como disse, nas entrelinhas, Henrique Peer. É ela, afinal, que tem promovido as grandes revoluções ao longo da história. O resto é blábláblá pra inglês ver!

Obs:  Não sei o motivo de ter um espaço tão grande entre o final do post e o link comentários. Mas, enfim, se você quiser fazer algum comentário, basta rolar essa página e logo irá encontrar o link.

























sexta-feira, 20 de abril de 2012

A alemã que abriu mão da vida boa na Itália para cuidar de crianças carentes no sertão brasileiro.

     " Se cada um de nós pegasse uma dessas crianças sem chances na vida, esse país viraria a mesa tranquilamente", avalia Ursula Grattapaglia, que descobriu que havia algo além de desfrutar de uma vida cheia de privilégios e decidiu criar e educar crianças carentes numa fazenda em Alto Paraíso de Goiás. Lá, essa sobrevivente da II Guerra Mundial, ao lado do marido Giuseppe, deu futuro a centenas de brasileiros. A seguir, o depoimento dessa senhora pra lá de admirável, que tive a honra de conhecer, que dedicou boa parte de sua vida a melhorar o mundo com os próprios recursos e à ajuda de amigos.

     " Eu e Giuseppe tínhamos dois filhos, um bom apartamento, casa na praia, carro, uma vida estabilizada. Aparentemente, eu era uma mulher realizada. Morávamos em Turim, no norte da Itália, nas férias e nos fins de semana, íamos com nosso trailer para as montanhas e Montecarlo. Mas sentia que devia haver algo além de ganhar e gastar dinheiro e participar do movimento esperantista - adeptos do esperanto, língua auxiliar de comuniação internacional, falada por mais de 10 milhões de pessoas - do qual fazemos parte desde 1950 - Como não sabia que existia outra alternativa, eu deixava as coisas como estavam. Cuidava da minha família e fazia muita ginástica para manter o peso e caber dentro dos meus uniformes de trabalho. Aos 40 anos, eu só deixava meus dois filhos com meus sogros por dois ou três dias para eu fazer o que queria e era muito bem paga trabalhando como tradutora e intérprete de alemão, italiano, francês e inglês. Conheci o mundo inteiro, comi e dormi nos melhores hotéis. Abria os olhos e fazia 200 dólares por dia. Trabalhei em congressos científicos, GP'S de Fórmula 1, acompanhei o presidente da Fiat em exposições de carros e aviões. Levei altos executivos em banquetes, testemunhei grandes contratos internacionais e intermediei conversas entre ministros. Giuseppe era projetista responsável da Fiat e também recebia um ótimo salário.
     Em janeiro de 1973, resolvemos passar o natal no hemisfério sul e escrevemos para esperantistas do Chile, Argentina e Brasil. Todos responderam as nossas cartas, com exceção de um pessoal que abrigava e ensinava esperanto para crianças carentes na fazenda Bona Espero na Chapada dos Veadeiros, GO. Seis meses depois, uma sucessão de acontecimentos inesperados e inexplicáveis fez com que minha vida mudasse pelo avesso. Tudo começou no dia em que recebi a visita de um industrial, com quem mantinha uma relação profissional. Sem mais nem menos, ele falou: " Ontem, estava em minha casa de praia contemplando o mar quando fui surpreendido por uma visão. Nela, Giuseppe aparecia construindo um muro e você, fazendo pão". Em seguida, disse que nos viu com nossos filhos e a família dele vestidos com macacões e trabalhando com enxadas. Além de outras cinco pessoas sem fisionomia. Não satisfeito, esse senhor contou que uma voz havia  lhe dito que deveríamos ir para um lugar e fazer um trabalho muito especial para uma nova humanidade. Quis saber onde era, mas ele respondeu que a gente descobriria quando estivesse nele.
     No dia seguinte, eu e Giuseppe fomos ao centro de esperanto e soubemos que tinha uma carta de Bona Espero. Ao abri-la, fiquei sabendo que o trabalho na fazenda era tocado por cinco esperantistas. Me lembrei das cinco pessoas sem fisionomia, presentes na visão do industrial, mas não liguei uma coisa à outra. Respondi à carta dois meses depois, me oferecendo para levar o que desejassem pra a fazenda. Um mês depois estávamos em nossa casa de praia quando o industrial bate à porta para nos transmitir o recado que a tal voz havia lhe dado. A gente deveria levar sementes de árvores frutíferas européis para o tal do lugar, que ficava a sudoeste de Turim. Pela indicação, Enzo, o industrial, achou que o lugar poderia ser na Espanha, Ilhas Canárias, Córsega ou África do Norte. Nesse dia, falou que tinha visto uma casa escura iluminada por uma vela, que abrigava crianças brancas e pretas, um sistema estranho de aquecimento de água, na cozinha. E, nos arredores, uma barreira eletromagnética, uma cachoeira, um cavalo branco e cabritas se alimentando. Pra mim, ele tinha perdido o juízo de vez!
     No dia seguinte, fomos a uma reunião no centro de esperanto e havia outra carta de Bono Espero. Os esperantistas nos pediam que levássemos sementes frutíferas européias. Aí minha mente explodiu. Achei que Enzo tinha violado nossa correspondência. Mas ele não sabia esperanto nem que mantínhamos correspondência com o Brasil. Liguei pedindo que viesse à minha casa e então ele resolveu abrir o jogo. Falou que sabia das coisas, mas não entendia de onde vinham essas informações. Depois de ouvi-lo, pensei  " aqui tem coisa". É que já tinha vivido duas experiências espirituais fortes, em que me vi fora  do meu corpo, e sempre entendi que nossas individualidades são em última instância manifestações de uma consciência cósmica.
     Dois meses depois, no dia 15 de dezembro, Enzo nos visita e, entre outras coisas, avisa que tomaríamos uma grande decisão no dia 15 de janeiro. Vinte e quatro horas depois, recebemos mais uma carta de Bona Espero. Tudo o que ele nos falava ia se encaixando como peças de um quebra-cabeças: três visões, três cartas. Só queria saber se Bona Espero era ou não o lugar que ele havia descrito para nós. Desembarcamos em Brasília no dia 23 de dezembro de 19763 e fomos recebidos por um esperantista de Bona Espero. Descansamos no hotel e alugamos um carro com motorista. Na época, atravessar os 240 km que separam Brasília de Alto Paraíso durava 15 horas, trajeto que se faz hoje em três horas de carro. Quando entrei na casa, que mais parecia um barraco, logo vi uma mesa de madeira com velas acesas e cerca de 30 pessoas, entre elas muitas crianças. Era véspera de natal e elas não tinham nada para a ceia, uma miséria só.
     Fui conhecer a casa e encontrei na cozinha o estranho sistema de aquecimento desenhado por Enzo que, na verdade, é o fogão caipira. No dia seguinte, conhecemos a cachoeira, vimos os cavalos e as cabritas. Fiquei muito impressionada ao ver gente vivendo em condições de extrema pobreza. Fui me deitar com a certeza de que jamais esqueceria Bona Espero. " O que vou fazer?", me perguntava. Sabia muito bem o que era passar fome e não ter lugar decente para morar. Nasci em Berlim e tinha 6 anos quando foi deflagrada a Segunda Guerra Mundial. Passei por todos aqueles horrores, como o de me refugiar em buracos e túneis, me alimentar com migalhas de pão duro e ver soldados violentando mulheres nas minha frente. Sabia o mal o que meu povo havia feito para o mundo .... Por isso, pensei que seria fantástico trabalhar em Bona Espero. Mas, na realidade, não cogitei ficar lá. Decidimos conhecer outras cidades e depois embarcamos para a Europa. Enzo estava à nossa espera em Turim. Fomos juntos para casa, onde lhe contamos o que havíamos visto e ele disse: "Esse é o lugar, vamos pra lá". Às 4 horas da manhã, meu marido redigiu sua carta de demissão depois de trabalhar 25 anos na Fiat.
     A partir daí, começamos a nos desfazer de nossos bens e Enzo pôs sua fábrica e um edifício à venda. Foi então que a mulher e a nora de Enzo começaram a temer a mudança, e um exame médico indicando que ele tinha diabetes o tirou da aventura. Giuseppe então me disse: "Nós vamos. Não tenho medo nenhum. Além disso, podemos voltar senão der certo. No dia 1º de julho de 1974, embarcamos para o Brasil.
     Bona Espero era um mundo diferente. Era como viver uma nova vida sem ter morrido. Sentia uma liberdade que não existia na Europa. Meus filhos adoraram. Podiam andar a cavalo, nadar no lago e desfrutar desse panorama. Se fosse apenas uma experiência esotérica, talvez estivesse voltada para mim mesma. Porém percebi que podia ter uma vida útil e com qualidade. Em Turim, eu não tinha qualidade de vida. Morava perto de uma fábrica que produzia 7 mil carros por dia. Passava a mão nas janelas, móveis e me sujava com fuligem. Quarenta por cento da população sofria de efisema pulmonar. Além da poluição, convivíamos com os atentados dos extremistas de esquerda das Brigadas Vermelhas. Que futuro poderia dar para meus filhos?
    É claro que tive problemas de adaptação. Quando acabava a água do poço, calçávamos as botas e íamos até o lago descobrir o motivo do entupimento. Pouco depois, fizemos o encanamento. Porém a rede elétrica ainda não chegou na nossa fazenda de mil hectares. Até 1986, usei lampião de gás e ainda tomo banho frio para economizar energia, obtida através de fontes alternativas. Todas essas mudanças geraram consequências. Fui conhecer o kardecismo, a teosofia, lia todas as noites e adquiri um conhecimento fascinante. Meus filhos tiveram que estudar em Brasília e sofri muito. Só recebia notícias deles através de rádio-amadores. Dário é engenheiro florestal, com doutorado nos Estados Unidos, e Guido é economista e trabalha na embaixada da Itália.
     Desde o dia em que chegamos, até agora, temos recebido uma proteção total. Subia num jipe, pegava uma estrada horrorosa e nunca me aconteceu nada. Quando meu marido viajava, ficava sozinha com as crianças e, nesse tempo todo, apenas uma levou uma mordida de cobra. Aliás, nossa fazenda fica praticamente dentro do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros e nunca fomos atacados pelas onças. Mas já comeram nossos cavalos, bois e vacas. Nesses anos, criamos e educamos centenas de crianças e adolescentes com nossos recursos e a colaboração de amigos. Eles fazem vaquinhas para bancar alguns de nossos projetos e também mandam roupas, material escolar etc. Atualmente, temos 30 crianças e adolescentes em Bona Espero. Muitas delas chegam sem saber a idade, data de nascimento, sobrenome nem como é o próprio rosto porque nunca haviam olhado num espelho. Algumas tem dificuldades de aprendizado devido à falta de proteínas na primeira infância. Elas vem de famílias que moram em beira de rio, algumas são orfãs, outras foram abandonadas pela família. Tem pais que põem os filhos no lombo do cavalo, percorrem 40 km e os deixam aqui para estudar e ter uma vida melhor.
     O dia começa cedo em Bona Espero. Às 7 horas, todo mundo acorda, faz a higiene pessoal, arruma a propria cama e se organiza para limpar quartos, banheiros e a escola. Às 8 horas, fazem a refeição da manhã. Depois, cada um faz o que é necessário: cuida da horta, lava as próprias roupas ou trabalha na oficina. Todos os dias, elas quebram torneiras, camas, cadeiras e mesas e aprendem a consertá-las. E, finalmente, brincam, porque criança tem que brincar, até a hora do almoço, depois vão para a escola.
     As crianças são filhas da casa e, como tal, pensam, falam e agem. Nós comemos juntos e da mesma panela. Também damos chances para os jovens que anseiam por uma carreira profissional, mantendo alguns deles no apartamento que temos em Brasília. No momento, tenho uma menina de 18 anos que quer cursar relações internacionais e dois rapazes que querem ingressar na Aeronáutica.
     Acho que devo fazer algo para melhorar o mundo porque faço parte do planeta. Adquiro conhecimentos e os vou transformando numa vida material ética, de ajuda ao próximo. Poderia passar os dias assistindo à TV ou curtindo a natureza egoisticamente, mas tento colocar o que aprendi na prática. Quem não vive para servir não serve pra viver.
     Luto contra todas as dificuldades e vejo o resultado do meu trabalho. Olho essas crianças crescendo com alegria, auto-estima e segurança social. Vou deixar isso por quê? O maior problema do Brasil não é falta de dinheiro. É falta de formação profissional e educação ética. Se cada um pegasse uma dessas crianças que não tem chances na vida, esse país viraria a mesa tranquilamente"         

quarta-feira, 28 de março de 2012

On The Road, a bíblia da geração beat ganhou o cinema.


                                                                                

     Que jovem nunca sonhou em pôr o pé na estrada apenas com uma mochila nas costas e alguns trocados no bolso? Foi o que fez o escritor Jack kerouc (1922-69),  que embarcou de carona em uma série de viagens pela América, com descidas ao México, em companhia de Neal Cassidy, entre 1947 e 1951, quando a febre de consumo e a moral conservadora tomou a classe média americana. No rastro de uma bem-sucedida política econômica, implantada por um governo autoritário - que, nas horas vagas, caçava bruxas, ou seja, esquerdistas, simpatizantes etc e desrespeitava os direitos civis.
     Kerouc, expoente da geração beat ou beatnik, uma turma de artistas talentosos que desprezava o american way of life (estilo de vida americana) e se rebelava contra a política repressiva do período macartista, pôs no papel, em abril de 1951, as recordações dos anos de vida na estrada e pronto. Em apenas 3 semanas, ele escreveu o romance autobiográfico que, só pra começar, mudou o modo de se encarar e viver a vida e a forma de narrá-la: On The Road, que acaba de ganhar  uma versão cinematográfica rodada pelo diretor Walter Salles, que vai entrar em cartaz no mês de junho.
   Salles, aliás, concretizou o sonho acalentado por ele, e outros cineastas, havia anos de levar para a telona as aventuras e desventuras de dois amigos na estrada em busca da beleza no mundo, de si mesmos e de Deus. Sal Paradise, alter-ego de Kerouc, e Dean Moriarty, inspirado em Neal Cassidy, são as personagens centrais da trama, povoada por uma legião de marginalizados, alheia ao sonho americano.
   Sal é um bolsista na universidade, que mora com a tia, enquanto tenta escrever um livro, e tem os melhores e mais loucos amigos que um outsider poderia desejar. Até que, um dia, conhece o fascinante e alucinado Dean, com passagens em reformatório e cadeia por roubo de carro e vadiagem, com quem compartilha seu amor por literatura e jazz, e, em especial, a sua ânsia de correr pelo mundo.
    Juntos, eles atravessam o interior dos Estados Unidos, mostrando paisagens e cidades do interior do país, e se deparam com todo tipo de gente, de trabalhadores itinerantes e andarilhos à vagabundos e viciados, numa jornada que também é uma viagem de auto-conhecimento, tanto das personagens, como de uma geração, que buscava desfrutar de experiências autênticas. E, de quebra, acreditava que os párias da sociedade, por viverem fora dos padrões, conheciam alguma verdade da existência.
    Aliás, essa identificação com figuras marginais é a base da literatura beat, que, além de Kerouc, encontra no poeta Allen Ginsberg e o escritor Willian Burroghs os seus grandes autores. Enquanto Kerouc era fascinado pelos vagabundos e andarilhos que cruzam o país em trens de carga, Ginsberg era atraído por homossexuais, delinquentes e incompreendidos em geral, e Burroghs, por sua vez, vivia entre criminosos e viciados.
    On the road, publicado em 1957, se tornou um fenômeno literário, que rompeu com os padrões da época e criou uma escrita mais livre e expressiva. Marcada por um texto sem parágrafos, ortografia ortodoxa e pausas no fraseado para soar  como um solo de sax de Charlie Parker. Mais ainda. O impacto desse romance foi tão grande que provocou uma revolução cultural e de costumes que influenciou um punhado de gente e diversos movimentos e manifestações artísticas dos anos 60 e 70: do hippie ao punk, passando pelo bebop, pop, rock e contracultura.
    Não bastasse, esse romance também inspirou muitos a ganhar o mundo, como, por exemplo, o cineasta Hector Babenco, de Carandiru etc, o cantor e compositor Bob Dylan e Chrisse Hynde, do Pretenders, que até fugiram de casa após lê-lo.
    Pode-se dizer que o mundo nunca mais foi o mesmo depois de On The Road. E, se você é ou foi um desses jovens que sonhou em cair na estrada é bem possível que só teve esse sonho porque, trocentos anos atrás, um sujeito talentoso arreganhou os dentes para o status quo e escreveu On The Road para mostrar que a vida poderia ser diferente.
( Este livro foi digitalizado e distribuído gratuitamente pela equipe Digital Source http://groups.google.com/
group/Viciados_em_Livros)

terça-feira, 6 de março de 2012

" Vou de Zé Pretinho ", diz Gilberto Gil, em entrevista antiga e inédita.


         
    No início dos anos 90, eu e outros jornalistas fizemos uma matéria sobre Deus para a revista Trip. Falei com diversas pessoas e, entre elas, com Gilberto Gil, que entrevistei no saguão do hotel Cad'oro, em São Paulo. Conversamos cerca de uma hora e adorei nosso papo e, claro, Gil. É que o ex-ministro da cultura, além de artista genial, homem afável e, a propósito, nada metido a besta, sempre teve o dom de me surpreender com suas reflexões sobre n temas e por uma simples razão: ele enxerga aspectos que me passam despercebidos e amplia meu campo de visão e de compreensão.
    Eu, infelizmente, precisei enxugar a entrevista ao máximo, descartando trechos com o coração na mão, para adequá-la à página. Mostrei esse material inédito para o editor de uma antiga e extinta publicação, especializada em entrevistas, que propôs que eu fizesse um entrevistão com Gil. Topei na hora, claro. Entrei em contato com o artista e ele me disse que estava entrando em férias, mas poderia me atender, após o ano novo, em sua casa, em Salvador.
  Como tinha lugar para ficar  na cidade e, ainda, desfrutar de hospedagem 10 estrelas, graças a generosidade de Bela Szanieski, professora de Física aposentada da UBFA - mãe de Dagmar Serpa, uma antiga amiga, além de jornalista brilhante - e aos sucos e quitutes de Noemia, eu decidi ir por minha conta e, depois, acertaria as despesas com a revista. Mais ainda. Aproveitaria a viagem para entrevistar, pessoalmente, Pola Galé, cineasta baiano, para a revista SET.
    Ao desembarcar na casa de Bela, eu liguei para Gil e agendamos a entrevista, que foi realizada em duas rodadas. No segundo e último dia, eu quase cai dura quando ele e Flora, sua mulher, me contaram, assim que me receberam em sua casa, que alguns artistas tinham até processado essa extinta revista. Até então, eu não sabia que a publicação tinha trocado a boa reputação pela fama de distorcer e inventar declarações dadas por seus entrevistados.
   Espantada com a novidade, eu nem sabia o que dizer. Foi, então, que o compositor baiano me deu a solução para resolver o enrosco. Ele concluiria a entrevista, mas me pediu para dizer ao diretor de redação que lhe enviasse um fax, comprometendo-se a publicar a matéria que seria escrita e entregue por mim.
      Depois de mais de duas horas de conversa pra lá de agradável, eu acabei indo parar na cozinha da casa e pus, literalmente, a mão na massa: fiquei fazendo bolachinhas com Flora, a meninada, amigas e funcionárias do casal. E, de quebra, levei um susto quando vi Gil acender um cigarro Free. Era capaz de jurar de pés juntos que ele, adepto ou ex-adepto da macrobiótica, além de não fumar, detestasse esse incenso do diabo. Tanto é que eu, fumante de respeito, não tinha nem sequer me atrevido a lhe pedir permissão para acender um cigarro durante nossas entrevistas.
    Bem, retornei à São Paulo e, uma semana depois, liguei para a revista e Gil  para saber  se o diretor tinha enviado a declaração, em que se comprometia não alterar o conteúdo da entrevista. Soube, então, que o ex-ministro havia recebido um fax do editor-executivo e não do diretor, que estava em Paris havia mais de um mês e, a essas alturas, deveria ter sumido junto com o chá.
    Diante disso, eu não entreguei a matéria. Não devia nenhum tostão para a revista e tive receio de o diretor usar o meu trabalho para fazer alguma sacanagem com Gil. Preferi evitar o risco.
    Enfim, guardei essa entrevista e achei que nunca iria tirá-la da gaveta. Ontem, eu vi Gilberto Gil no programa de Sara, no GNT, e me lembrei dela. Eu a reli, gostei, e, apesar de ter perdido parte dela e deixado de explorar uma ou outra questão, decidi publicá-la nesse espaço.
     Nela, ele fala um pouco sobre sua vida familiar, seu temperamento, trajetória profissional, o tropicalismo e Deus. Vale destacar que eu suprimi trechos em que Gil falou sobre política e a cena musical da época, além de outros assuntos muito datados, e mudei o formato original - perguntas/respostas. E, Aff!,  finalmente, a entrevista.

     Sobre a prole generosa.

    Minha mãe diz que eu, aos 2 anos, reiterava com frequência que queria ser músico e pai de filho. A quantidade, entretanto, foi uma decorrência circunstancial das decisões maternas. Nunca disse: " vamos ter um filho". Eu sempre me defrontei com a notícia: " estou grávida, estamos tendo um filho! Ao que respondia, " então, estamos tendo um filho? Que venha".
   Tivemos oito. Com Belina, com quem fui casado dois anos, eu tive Nara e Marília. Depois, me casei com Nana Caymi, e, provavelmente, teríamos filhos se ela já não tivesse as trompas ligadas. Em seguida, eu casei com Sandra, com quem tive Pedro, que já morreu, Preta, que acaba de me dar um neto, e Maria. Com Flora, tive mais três: Bem, Bela e José.


     Sobre os filhos

     São todos bons meninos. Os meninos são todos sãos. Somos amigos, e tudo entre nós sempre descambou para o plano do fraterno, da camaradagem.
    Minha paternidade tem aspectos universais e muito particulares. Outro dia, eu estava na sala de embarque do aeroporto de Recife e fiquei observando um rapaz brincando com seus dois filhos. O pai com aquela coisa com os filhos. Os filhos com aquela coisa com o pai. Pai e filhos sendo objetos de idolatria. Eu e meus filhos nunca tivemos esse tipo de relação, com exceção de Nara, minha primeira filha, que me idealizou um pouco na primeira infância. Falava que o pai era o simbolo do amor, a primeira pessoa que amou na vida. Fora ela, não percebo em nenhum deles o desenvolvimento dessa coisa natural e autorizada da idolatria.
    Eu tenho lhes transmitido automaticamente a minha liberdade de hábitos e costumes, em relação aos de meus pais. É que cheguei ao mundo adulto em um momento de grandes transformações, de profundas discussões sobre relacionamento familiar, hábitos pessoais etc. E acabei sendo formado por uma escola muito liberal, de permissividade, democracia e pluralidade.  Então, essa é a minha história e é ela que devo passar a eles.  
   O que eu deveria reparar, caso isso fosse possível, seria o modo de passá-la, que, talvez, variasse se eu tivesse outra natureza. Talvez, eu desejasse ser um homem com uma índole diferente. Eu, por exemplo, tenho muita dificuldade de dizer não, e ela se estende para o relacionamento com meu filhos. Talvez gostasse de ter capacidade de dizer não, de desagregar e contrariar.
  Hoje, ao repassar os eventos ao longo da minha vida, eu penso que talvez tivesse me poupado de sacrifícios e constrangimentos desnecessários. Quando você tem dificuldade de dizer não aos outros, também tem dificuldades de dizer não a si mesmo.

    Sobre o Temperamento

    Sou muito paciente, muito tolerante. Tenho uma grande capacidade de ceder aos impulsos e, como consequência, acabo tendo dificuldades para estabelecer rotina, disciplina. Eu vou começar, por exemplo, a gravar em abril e já deveria estar concentrado no trabalho. Mas, ainda, não consegui reunir forças para recuperar o hábito da disciplina para fazê-lo. Ainda estou me desculpando porque tive um ano de muito trabalho e estou em férias. Mas, frequentemente, me sinto culpado pela indisciplina. Adio muito a entrada nos processos e me culpo por isso. Se pudesse reformar o projeto, eu seria mais duro comigo e com o próximo.

  Sobre essa disponibilidade

    Eu atendo a todos. Agora, estou em férias, mas se alguém, por exemplo, me chamar para ir à Brasília, fazer sei lá o quê, eu me sacrifico um pouquinho e vou. Mas, o que eu vou fazer lá mesmo? Qual é a minha contribuição? Ah! quer dizer que é para eu ir de Zé Pretinho, para animar a festa? Então, eu vou de Zé Pretinho. Fulano está indo porque vai apresentar uma proposta, sicrano vai discutir uma questão e Gil? Vai fazer o quê? Gil vai animar a festa.
   Flora acha que eu sou muito abusavel, que proporciono demasiada desfrutabilidade do outro em relação a mim. Eu, raramente, digamos assim, acuso o golpe dessas hiperinvestidas. Em geral, sou concessivo, é da minha natureza. Sou como coração de mãe: sempre cabe mais um.

   Sobre as ex-mulheres

   Temos uma relação química-alquímica muito interessante: de amor que virou amizade, que virou amor e realimenta a amizade. É de amor sustentado pela amizade: um amor ecológico, moderno, auto-sustentado.
  Veja: sempre me coloquei como meta o propósito de realizar a amizade com todas. Inclusive, porque temos filhos .... então, acabou. Filhos são traços de união, são hifens que ligam as palavras entre nós e as nossas vidas necessariamente.
   Não houve dificuldade porque, felizmente, nós nunca brigamos. Nunca me separei por briga, desentendimento. Me separei por transmutação do afeto. É o que falo na música Drão: a semente tem que morrer para germinar. Se há um culpado, sou eu, e Deus salve a minha confissão. Sempre esperei que dessa minha confissão pudesse nascer a compaixão entre nós todos. E temos desenvolvido  esse sentimento, que vem substituindo a paixão, o início de tudo.

    Sobre as separações

    Sofri sempre que tive que me separar, de ir embora para encontrar o amor em outro lugar. Sofri, sofri, sofri. Mesmo assim, o impulso para a transformação é mais forte que o apelo para a permanência.

    Sobre ciúme

    Ele praticamente desapareceu da minha vida. Não sei por quê. Talvez porque eu não tenha motivos. Aprendi, também, a deixar de ser ciumento com as filhas, que vão crescendo e vivendo seus próprios amores. Eu nunca tive problemas com namorados e genros. Eles sempre chegaram e levaram numa boa.  E quando resolvem consolidar o compromisso, eu tendo, em geral, a gostar mais deles, por identificação: eles se tornam iguais a mim. Estão se comprometendo também, partilhando e compartilhando as responsabilidades. Minhas fantasias de paternidade são meio assim.

    Sobre a relação entre as mulheres

    Se tiveram ciúmes, resolveram o problema entre elas. Nunca houve cenas nem algo que tivesse sido objeto de observação, de visibilidade. Nada que tenha se transformado em atos e fatos. Elas são amigas, graças a Deus, se ajudam e se administram em conjunto
    No meu aniversário de 50 anos, as quatro estavam presentes e até tiramos uma foto. Fiquei muito constrangido, acabrunhado, mas não tive como me safar de tirar aquela foto: eu e elas. O que eu vou fazer? Sou de câncer: vivo a vida cercado de mulheres.

    Sobre a descoberta do talento musical

   Foi por volta dos 17, 18 anos. Eu comecei a tocar acordeon em Os Desafinados, um conjunto de bairro. Mas troquei esse instrumento pelo violão quando ouvi João Gilberto e a Bossa Nova. Fiquei tão encantado com a canção popular que descobri que queria ser compositor. Eu senti necessidade de reproduzir com minhas próprias linguagens aquele universo que a bossa nova revelou de música popular: de samba misturado com a canção romântica e ingredientes do jazz. Enfim, aquela grande mescla propiciada pela bossa nova.

    Sobre Caetano e tropicalismo.

   Conheci Caetano, em 1963, 64, e ele já se interessava por literatura, teatro, artes em geral, e acompanhava as produções de vanguarda: nouvelle vaugue, cinema novo, neorealismo, literatura beat e a revolução de costumes americana.
   Ele fazia uma leitura do que estava acontecendo e incorporava aos seus hábitos. Era uma pessoa moderna, enquanto eu vivia no circuíto mais clássico de classe média. Não lia as publicações  de vanguarda, não assistia filmes de arte nem tinha interesse por teatro.
  Tinha 17, 18 anos e gostava de ir á praia e paquerar as meninas nos bailes. Já compunha, gostava de bossa nova e me apresentava em programas de TV,  mas a minha vida se encaminhava para um processo tradicional de classe média. Foi a partir de de meu encontro com ele que passei a me interessar pela multiplicidade do fenômeno cultural da época. Senão fosse ele, eu não teria me interessado.Ou, talvez, tivesse chegado ai por outra via, mas, o fato, é que foi através de Caetano.
    O tropicalismo surgiu no rastro da revolução de costumes, da produção cultural e filosófica da época. Essas novas ideias quebraram a nossa cabeça, e então decidimos reunir os cacos e traduzi-los em música, poesia, manifesto, ensaio, reflexão, discurso e tudo o mais que foi feito por nós: eu, Caetano, Capinam, Torquato, entre outros. Queria fazer uma música que correspondesse ao nosso recém surgido interesse por esse mundo da arte moderna.
    Vale lembrar que, naquele momento, as Escolas de Música, Dança e Teatro da Universidade Federal da Bahia, além do ramo baiano do CPC, da UNE, nos dava acesso a essa multiplicidade de manifestações artísticas e culturais.
    Esse ambiente cultural contribuiu para a tomada de consciência dos problemas sociais e para a produção de uma arte engajada com o processo transformador da sociedade. O interesse político e sociológico fervilhava junto com essas inovações no campo das instituições ligadas a arte e cultura na Bahia. Foi nesse contexto que conheci Caetano e que nasceu o tropicalismo.

    Sobre o impacto do Tropicalismo

    Houve muita resistência e por vários motivos. Do ponto de vista estético -estilístico, a adoção de gêneros musicais híbridos, de novas sonoridades, de certos instrumentos, entre outras inovações musicais, geraram dificuldades de absorção. Tanto por parte dos cultivadores dos gêneros populares clássicos, como para o pessoal da música sinfônica, da bossa nova, do rock. Os setores isolados se sentiram ameaçados, vítimas de uma heresia.
    Cheguei a ser advertido, molestado até pelos colegas da minha geração, que estavam começando conosco. Alguns diziam, o negócio que você está fazendo é uma bobagem. Outros, por sua vez, preferiam desviar do caminho para não falar com a gente.
   O aspecto contestatário da nossa música, o discurso em defesa da diversidade de comportamento e do pluralismo político etc nos rendeu problemas com a área política. Aliás, essa oposição se fez presente desde o Festival da Record, quando eu e Caetano concorremos com as músicas Domingo no Parque e Alegria, Alegria, e acabou desembocando em  nossa prisão e exílio.
    Mesmo assim, a gente decidiu seguir em frente com a nossa proposta. Mas eu sofria. Veja, eu era um rapaz, de vinte e poucos anos, buscando, antes de tudo, ser compreendido. Buscando também comunicar e comungar aquele sentimento de inovação, de aventura com todo mundo. Achava que todos iriam nos entender, e o fato, que assim não fosse, era traumático, constrangedor.
    Quando a oposição, então, se fez clamor contra nós foi um tormento, uma agonia. As mães de família nos repudiavam. Famílias do interior de São Paulo enviavam abaixo-assinado contra o programa Divino Maravilhoso, exibido na Record e apresentado por Gil e Caetano. Somava-se a isso, a ameaça do regime militar e a falta de aceitação de nossos próprios colegas. O que, pra mim, prenunciava uma dificuldade cada vez maior.
    Eu ficava me lembrando do Monte das Oliveiras, vendo se aproximar a hora do sacrifício. Sentia que a gente tivesse de ser sacrificado mesmo. Tive essa paranoia. Isso se chama paranoia! Pensei em desistir, mas o ânimo era muito forte. Sem falar que Caetano era um líder muito determinado, muito cônscio.
Passei a ter medo que a gente acabasse absolutamente sozinhos. O que aconteceu realmente: a gente foi parar na prisão.

    Sobre a idolatria dos fãs

    O auge da tietagem se deu na época dos discos Realce e Luar. Durou uns dois, três anos e passou. Mas não foi nada perto do que acontece com um Roberto Carlos, um Fábio Jr.
   Eu também nunca fui símbolo sexual. É que, em geral, essas idolatrias muito fortes estão ligadas ao cultivo de uma imagem simbólica, que não incorporei a minha personalidade artística.
   Alguns artistas acumulam essa adoração. Eles emitem uma imagem e o público reage. Essa reação é reincorporada, eles investem e reinvestem e vão hipertrofiando aquela imagem. Já outros, como eu, são low profile, até mesmo para evitar essa adoração descaracterizante e paralisante.
   Agora, é evidente que tem um lado da vaidade que é bafejado por essas manifestações de paixão e carinho. O ego infla e tal. Mas, com o avançar da idade, a gente vai perdendo a necessidade de engraxar o sapatinho do ego todo dia para que ele fique impecável. Porque já sabe que é um indivíduo, entre tantos outros, que teve ou não privilégios e oportunidades de contribuição.
  Então, você deixa de precisar de se auto-referir o tempo todo, de medir e pesar o seu valor. Quanto eu tô pesando? Peso mais ou menos que A? Qual é a importância que tenho? Essas necessidades vão se diluindo ao longo da realização de uma obra. O que permanece é o sentimento de que eu participo da vida e da criação, junto com a natureza, as divindades e os homens.
  Eu acho bacana quando as meninos expressam arroubos de paixão. "Ah! eu lhe amo, lhe adoro". Mas essa afeição efusiva não é mais contabilizada, não entra na minha coluna de crédito. Não há mais contabilidade.

  Sobre os altos e baixos do sucesso.

  Esse fato é bem vindo, administrado e até planejado para ocorrer. Eu não quero estar todo dia na primeira página do jornal nem na primeira lista de execução. Tem muita gente para se partilhar o sucesso. Então, tem de ceder espaço para a chegada natural das coisas novas.

     Deus

     Só consigo ver a influência de Deus através de nós mesmos. Mas Ele não interfere sozinho. Deus, por exemplo, pode lhe acalmar em um momento de desespero, desde que você acredite, peça e admita a presença do mistério em meio à vida. Eu admito. Por isso, ninguém pode me chamar de ateu. Não sou mesmo, jamais!
    No entanto, Deus não é absoluta subordinação. Ele existe em mim, só existe por minha causa, porque eu quero, sei e preciso. Deus não existe para quem não precisa. Ele é o atendimento ao nosso chamado, mas sem chamado não há atendimento. E cada um tem o seu modo de abrir esse canal.
   Décadas atrás, eu passei por um período de descrença, negação e racionalidade, em que via o homem como o centro de tudo, até que precisei, recorri a Ele e me tornei crente de novo.
   Eu havia tomado a bebida indígena auasca e tive uma sensação de aproximação da dissolução, do que se poderia chamar de morte. Senti a minha integridade existencial ameaçada. Achei que ia desaparecer e tive muito medo. A única coisa que me amparou foi a invocação da ideia de Deus, algo maior do que eu e tudo. Naquele momento, eu precisei e me pus nas mãos do mistério de novo. Foi a ideia primária, infantil, inicial de Deus que me socorreu.
   Comecei, então, a sentir compaixão, que é a mistura da paixão de viver com a resignação de morrer. E, desde então, o meu último olhar sobre as coisas passou a ser mais compassivo.
  As primeiras visões que temos são em função de nossas necessidades na vida. Ao passo que a observação final implica você fazer um julgamento definitivo de si mesmo ou de qualquer outra coisa. Para fazê-lo, eu desenvolvi a compaixão. Se eu tenho um inimigo, por exemplo, alguém que não goste porque me antipatizo, me prejudica ou não faz o que deveria fazer do ponto de vista da vida e tal, eu sou levado a julgá-lo, mas tendo a não condená-lo porque aprendi a perdoar.
    A capacidade de perdoar é algo que conhecia teoricamente, que aprendi com os ensinamentos religiosos. Mas a gente só aprende a perdoar, de fato, quando a compaixão brota no coração, quando algo lhe força e leva ao perdão. No meu caso, ele brotou no meu coração quando eu me senti próximo da morte. Eu aprendi a perdoar, na verdade, quando senti que fui perdoado por Deus.      

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Aos jovens idealistas, Solla, Nahor e Ale, e à princesa Alice.

 
                                                               PROIBIDO PROIBIR

     Essa pichação feita nos muros de Paris, em 68, ganhou o mundo e traduziu com perfeição o espírito libertário de uma juventude que queria mudar o mundo. Hoje, esse espírito, propulsor de revoluções sociais, culturais e científicas ao longo dos séculos, cedeu terreno para o discurso conservador que tem embalado os sonhos de um punhado de gente jovem e madura que quer acabar com a corrupção no Brasil.
    Prova disso é que, poucos meses atrás, o movimento contra à corrupção ganhou, aqui, em São Paulo, a adesão da Associação da Parada do Orgulho GLBT e pronto: alguns integrantes torceram o nariz para essa aliança e dispararam posts e emails nas redes sociais, em que diziam, basicamente, que não  engrossariam manifestações que, por contar com o pessoal da Parada, seriam contra a família e a ordem social.
     Basta dar uma navegada nas páginas de alguns desses grupos para se ter a impressão que se, pudessem, diversos de seus integrantes não despachariam apenas os homossexuais para outro planeta. Eles também aproveitariam a nave espacial para se livrar de dependentes químicos, ex-moradores da favela Pinheirinho, empresários que contratam profissionais estrangeiros, defensores da legalização do aborto e/ou de uma política pública para, pelo menos, reduzi-lo, críticos da ditadura militar, favoráveis à campanha do desarmamento, além de petistas, simpatizantes, que ganharam o apelido de Petralha. E, em especial, qualquer um que conteste suas ideias, também chamado de Petralha, fake, infiltrado e autoritário.
   Na contramão desse povo, eu tive o prazer de ver entrar em cena cavaleiros solitários que deram uma lufada de vento fresco a esses embates. É claro que falam para um exército com uma séria deficiência auditiva, que o impede de ouvir tudo o que não lhe soa bem. Mas esses jovens idealistas não são do tipo que jogam a tolha por falta de incentivo da torcida. O professor Nahor Lopes Jr., de 26 anos, e o atrevido Ale Brasil/Virgu Lino, de 28 anos, por exemplo, vira e mexe, enfrentam uma dezena de lutadores conservadores que, como dizia o bom e finado colunista social Athaíde Patreze, acham o deputado federal Jair Bolsanaro e o período da ditadura militar um luxo!
   Nahor tira proveito de sua sólida formação cultural e vocação para transmitir e compartilhar conhecimentos, talvez até, para baixar a guarda e ampliar o  leque de informações de alguns deles, com outras ideias, teorias e palavras. Como resultado, o professor, e não os seus argumentos, como seria natural, vira o alvo da discussão e ele começa a ser insultado. Ora de petista, ou melhor, Petralha, como dizem . Ora de professor que não sabe nada da história do Brasil.
  Católico até a medula, o catarinense lembra que Deus condena o pecado, mas não o pecador. E já que citam tanto o Seu Nome nesses espaços, vale ressaltar que Ele, em sua infinita sabedoria e misericórdia, nos concedeu a vida, o livre-arbítrio e o perdão. O que, pra mim, indica que Deus não compactua com nenhuma forma de opressão e acolhe todos os seus filhos, e com todos os seus pecados.
    Os desaforos, um dos pecados mais cometidos por essa turminha insólita, nem sequer arqueariam uma mísera sobrancelha se não saíssem da língua de quem enche a  boca pra falar em democracia, mas é incapaz de manter um debate de ideias no campo das ideias. Que o diga Ale, analista de compras, de 28 anos, que, além de petralha, of course, também é tachado de comunista, hipócrita etc nesse território minado de convicções pra lá de ultrapassadas. Que, diga-se de passagem, foram soterradas e/ou descartadas há décadas por autoridades mundiais, que se debruçam, por anos a fio, sobre a tarefa de estudar, desvendar e encontrar soluções para n problemas contemporâneos.
   De natureza impetuosa, esse paulistano solta o verbo, sem recorrer a ofensas e outras baixarias, em defesa da atual compreensão que pesquisadores do mundo inteiro tem de uma série de questões e enfrenta chumbo, cada vez mais grosso, disparado pela artilharia conservadora.
   Outro jovem idealista, Francisco Solla, decidiu parar de, como dizem os chineses, atirar pérolas aos porcos desse exército virtual e foi lutar com outra farda. Dono de um bom senso de causar inveja, o estudante, de 18 anos, que acaba de ingressar na Unicamp, se movimentou com elegância entre esses internautas democratas que, ao serem contrariados, ardem na fogueira das vaidades e promovem uma espécie de caça às bruxas.As bruxas, no caso, são qualquer um que, além de discordar de suas brilhantes ideias, se atreva questionar decisões e "verdades". Como Solla cometeu esses crimes, ele, claro, também caiu na língua dos conservadores. Mas nem ligou para as ofensas. É que o estudante baiano já havia sido abatido pela perda de um sonho: o de acreditar que, no combate contra à corrupção, todos eram movidos, exclusivamente, pelo  idealismo.
     Esses rapazes são apenas três entre milhões que perdem batalhas para aqueles que comungam com o ideário conservador e autoritário. Se hoje, eles lutam contra os ganchos de direita da turma que reeditou no espaço virtual as famosas marchas com Deus, pela família e propriedade, contra a guitarra elétrica etc dos anos 60. Amanhã, terão de enfrentar golpes vindos de outros frontes.
     E como acontece com todos, eles vão perder e ganhar nos sucessivos embates por uma vida e um mundo melhor. Em compensação, na volta, serão sempre recebidos pela princesa Alice - uma menina linda, de 15 anos, de apurado senso estético, que, como tantas outras meninas, nasceu para embelezar  e zelar pela beleza do mundo.
   Espero, também, que esses cavaleiros nunca comprem o discurso de que ser idealista, após uma certa idade, é burrice. Burrice pra quem?  Há quem interessa arrefecer o entusiasmo de gente que quer fazer desse mundo um bom lugar para se viver?
   Einstein dizia que é mais fácil dividir um átomo que quebrar um preconceito. Imagine, então, ter de lidar com preconceituosos e sectários para tentar promover mudanças que contribuam para o bem-estar da sociedade? Tai um combate que consome uma vida inteira. O desafio, no entanto, é talhado para gente de coração bom, mente arejada e espírito libertário como é o caso desses três meninos e dessa princesa do Brasil.
   Allez les enfants! Soyez réalistes, demandez l'impossible! ( Vamos lá crianças! Sejam realistas, exijam o impossível). Até porque, cá entre nós, da vida não se leva nada mesmo. Nem as batatas de Quincas Borba, do genial e libertário Machado de Assis.

Obs: Pessoal, na segunda, dia, 27, vou publicar uma longa matéria sobre as práticas antidemocráticas, entre outras, de alguns integrantes do movimento de combate à corrupção. Ah! por favor, quem quiser postar um comentário e, para fazê-lo,   acessar o ícone anônimo, se for possível, digite o nome e email no corpo da mensagem. Obrigada, Bjs, Eloisa.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

O roqueiro que virou caçador de escravos

     Chega a surpreender. Mas a cruzada mundial contra o tráfico humano encontrou em um executivo da cena alternativa de rock , que levava vida de band leader, um combatente e tanto: Aaron Cohen, amigo e sócio de Perry Farrel, líder da Jane's Addiction e criador do Festival Lollapalooza, que trocou as turnês com a banda, além do vício em heroína e festinhas animadas, para libertar vítimas da escravidão nos quatro cantos do planeta.  É que ele, desde 2004, tem engrossado as fileiras da Ong Abolish Slavery Coalition  e arriscado o pescoço, durante suas incursões em territórios povoados por traficantes de drogas, cafetões e outros do gênero,  para caçar escravos. Em especial, meninas, adolescentes e mulheres que são obrigadas a prestar serviços sexuais em bordéis espalhados mundo afora.
     A caçada de Cohen tem início quando esse roqueiro americano, de 47 anos, recebe informações sobre o possível paradeiro de vítimas, dadas por familiares ou informantes infiltrados em diversas regiões, que vão das favelas do Camboja até os bordéis escondidos na América Latina, passando pelas savanas do Sudão, as selvas da Birmânia e os desertos do Iraque. A partir dai, ele se disfarça em turista sexual e segue pistas para encontrá-las. Em um ou outro lugar, ele chega até os bordéis graças aos motoristas de táxi -  que ganham um taque de gasolina de donos e gerentes dos bordéis por cada cliente que deixam na porta de seu negócio. Lá, ele é recebido pelo dono ou funcionário da casa, que, após saber de suas preferências étnicas, de idade e biotipo, promove um desfile com as meninas, com o perfil desejado, para que ele  possa fazer sua escolha.
     Cohen acompanha as meninas até o aposento -  muitas vezes, dividido apenas por lençóis-, as fotografa e colhe depoimentos para entregá-los as autoridades locais e competentes. " Em 20 minutos, eu colho os depoimentos, gravo em um celular e os transfiro também para outros que estão nos quartos em que me hospedei", revela , esclarecendo que, em geral, se hospeda em 4 quartos em cada incursão, deixando-os com as camas desarrumadas para confundir um possível invasor. Terminado o trabalho, ele não deixa de tomar uma cerveja e dar gorjetas ao chefe e/ou segurança do bordel.
     Mais ainda. Ele não só reúne provas, que podem conduzir ao resgate das vítimas por parte das autoridades, como também trata de negociar o valor do resgate com os donos dos bordéis, ameaçando  denunciá-los para as autoridades. Se não fecha "negócio", ele entrega as provas para as autoridades. Caso contrário, ele compra as menina, adolescente ou mulher escravizadas.
    O triste é que, ao fazê-lo, ele as livra de serem obrigadas a prestar serviços sexuais nesses bordéis por algum tempo, mas nada garante que não voltem a cair nas mãos dessa gente, seja por terem sido raptadas, vendidas pela família ou por terem caído em um conto do vigário.
    E não é à toa. O tráfico de seres humanos é a segunda atividade criminosa mais lucrativa em todo mundo, atrás apenas do tráfico de drogas, e seguida, pelo de armas. A ONU estima que cerca de 2 milhões e meio de pessoas sejam traficadas por ano, gerando um rendimento anual em torno de 9 milhões e meio de dólares. Ou seja, negócio ilegal e lucrativo o suficiente para seduzir os gananciosos e calar a boca de outros tantos.
   Cohen teve contato com esse trabalho no ano 2000. Na época, ele havia acabado de deixar a Jane's Addiction para cuidar de sua mãe, com câncer, em fase terminal. Decidiu retomar os estudos, fazendo mestrado na University de Vanguard, e, em uma de suas aulas, dadas pela professora Barbara Vogel, assistiu um documentário sobre a escravatura no Sudão. Ela, inclusive, disse aos alunos que estava angariando dinheiro para libertá-los e informou que cada escravo custava  a módica quantia de 50 dólares.  
  O roqueiro, além de fazer a doação, decidiu acompanhar uma delegação da ong CSI, Christian Soliderity Internacional, ao Sudão e testemunhou a libertação de escravos. " Percebi que eu poderia ser uma pequena parte da mudança e precisava apenas fazer com que as pessoas vissem o que eu vi", diz. Ele retomou sua atividade de executivo de rock, mas, em 2004, decidiu abrir mão de sua vida de astro do rock para libertar vítimas da escravidão. E, desde então, tem caçado escravos nos quatro cantos mundos.