a rua é da gente

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quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Kit Anti-Homofobia: desafia e municia o preconceito

 
     É sempre o mesmo discurso: entra ano e sai ano, e não há avanço tecnológico, Primavera Árabe, Parada Gay nem tsunami que soterre velhas crenças acerca de a homossexualidade - orientação sexual de quem sente atração sexual e/ou afetiva por pessoas do mesmo sexo, independente de sua vontade. Ainda tem gente que confunde essa condição sexual com perversão e/ou jure de pés juntos que falar do assunto em sala de aula vai induzir muito aluno a virar gay. Não bastasse, as tentativas de jogar uma luz sobre essa questão espinhosa, vez ou outra, provocam um curto-circuíto danado e pronto: a homossexualidade dá meia volta e retorna para o escurinho do armário.
  Tanto é que o chamado Kit Gay 1, com vídeos polêmicos, que ganhou veto presidencial e torceu o nariz até de quem ergue a bandeira da diversidade, deu um belo empurrão para manter o debate sobre a homossexualidade e a homofobia bem longe do portão da escola. (obs: Assista o 1º vídeo à esquerda: um bom exemplo de combate ao preconceito sexual)  Com a recente retomada do projeto anti-homofobia, a maioria dos internautas que discutiram a iniciativa nas redes sociais fez coro a boa parte dos argumentos sacados pelo deputado Jair Bolsanaro, e não ao seu insólito repertório de ofensas, para abatê-la.
    A iniciativa, aliás, tem tirado o sossego de muita gente por razões que dariam pra encher um rosário. Vou destacar as duas que ganharam mais terreno no espaço virtual. O medo de que os filhos e adolescentes, em geral, se tornem gays é o primeiro, e o principal, a ocupar o travesseiro e ameaçar o sono dos internautas que participaram das discussões.
   O receio até se explica: como crianças e adolescentes são considerados inocentes, conta o psiquiatra Alexandre Saadeh, do Hospital das Clínicas, acredita-se que se deixam influenciar facilmente. Ocorre que eles podem, sim, ser influenciáveis em alguns casos, mas, em relação a orientação e identidade sexuais, essa influência não existe. " As pessoas tem essas características definidas entre os 4 e 5 anos de idade. E elas são imutáveis".
     De fato. É que, ao contrário do que muitos pensam, a homossexualidade, e outras orientações sexuais, independe de nossa própria vontade. Ou seja, ninguém escolhe desejar Vítor ou Vitória, como também não muda sua identidade e orientação sexuais para ficar gay, heterossexual, bissexual etc ao sabor dos ventos ou por falar livremente sobre essa questão -  uma entre tantas outras que ainda não foi decifrada pela ciência.
     O que se acredita, revela Saadeh, é que a homossexualidade não tem causas definidas e resulta de uma combinação de fatores biológicos,psicológicos e ambientais. " Não há nada no funcionamento do corpo que explique o desejo sexual por pessoas do mesmo sexo", afirma o psiquiatra, esclarecendo que ela é apenas mais uma característica na personalidade, que não acrescenta nem elimina nenhuma outra.
     Outra razão que perturba os ânimos é a interferência do Estado, através desse kit anti-homofobia, na educação de seus filhos. A queixa, por sua vez, dá margem a muita reflexão e por motivos muito simples: a tarefa de educar os filhos é dos pais, mas a escola sempre desempenhou um papel fundamental na educação, que foi muito além do ensino de um punhado de disciplinas. Então, a princípio, ela não foge de seu script secular ao tratar de assunto a ou b.
     Se ela tem carta branca, por exemplo, para ensinar o que é corrupção, como sugeriu alguns internautas, por que ela não pode explicar o que é a homossexualidade? Porque cabe aos pais dar formação moral aos filhos, dirão alguns. No mundo ideal, todos estão aptos a transmitir aos filhos informações e valores para  torná-los cidadãos melhores e com menos preconceitos. Mas, no real, muitos nem sequer ficam à vontade para conversar sobre a sexualidade com suas crias.
    Para esses, o kit anti-homofobia não deixa de ser uma mão na roda, em especial, hoje em dia, com essa onda de violência: cada vez mais se vê gente muito jovem , e ao contrário do que ocorria anos atrás resolver suas diferenças com homossexuais, entre outros,  à bala, facada ou qualquer objeto que, se não mata ou ameça à vida, fere um bocado.
     Diante do cenário atual, o kit anti-homofobia continua sendo, sim, uma interferência do Estado, mas ela é, como diz Saadeh, bem-vinda. Afinal, homofobia, apesar de não ser um crime, já que o projeto de criminalização ainda tramita no Congresso, tem motivado um punhado de crimes previstos no Código Penal. " O que precisa ser discutido não é a validade do papel do Estado, mas a forma que ele tem feito isso" afirma ele, e finaliza: " O Estado deve começar a tratar da questão de combate a homofobia com os pais e professores e, depois, com os alunos".
     É por essas e outras que é preciso parar de derrapar na hora de abordar temas espinhosos, como a homossexualidade: senão, em vez de minar o preconceito, as informações vão é municiar os Bolsanaros do mundo.
Obs: Quem quiser postar um comentário e precisar clicar na opção anônimos, por favor, se possível, deixem o nome e o email no corpo da mensagem. Obrigada, Eloisa.

4 comentários:

  1. Infelizmente, o Brasil ainda é um país conservador e reacionário. Precisamos de uma ampla reforma na educação, com uma peneira nos professores, um ensino crítico nas universidades, para que temas como homossexualidade, transexualidade, questões afro possam ser discutidos de modo mais aberto e tranquilo.

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  2. Infelizmente para tudo há radicais comentando e pessoas que seguem esses conselhos. Vejo no caso da política, o radicalismo é seguido e o bom senso deixado para trás. Discutir a homossexualidade é fundamental sim! Preconceito escolar é gigante e a escola tem sim que tomar medidas, claro de forma bem estruturada (aquele vídeo q a Dilma vetou era horrível), mas não se pode desistir da questão, tem que sim que debater, pois na escola há muito preconceito.

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  3. Gustavo, eu acho que um dos maiores problemas da atualidade é justamente a falta de bom senso. Acho, inclusive, que muita gente não tem o menor interesse em tê-lo, porque, caso tivessem, precisariam tirar a viseira dos olhos, ouvir o outro, questionar suas verdades absolutas, abrindo mão de sua zona de conforto.

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  4. Prá além da qualidade do projeto desenvolvido pelo MEC, que pode e deve ser questionado, no intuito da critica construtiva, avalio que todo cidadão deve exercer seu papel de agente proliferador de boas praticas e o combate à homofobia é uma boa pratica, na medida em que ensina o ser humano a ter tolerancia e respeito com o que difere dele. Propor esse debate na escola ou em qualquer outro ambiente coletivo não pode, de forma alguma, ser encarado como apologia à homossexualdiade, como muitos tem colocado. O preconceito mata!

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